Papagaio-da-cara roxa


Aquarela de 2003 - um dos primeiros pássaros 
pintados pela artista.
De qualquer lado que se olhe, parece que está 
sempre olhando para você.



Acadêmica Neusi Berbel
Professora e artista plástica

Perigo: os erros de português na publicidade


(Texto apresentado na Academia de Letras, Ciências e Artes de Londrina em 2010)

Como em qualquer atividade intelectual, o pessoal que cria textos publicitários corre o sério risco de cometer erros – seja na escrita, seja na revisão. 
O problema é que os erros em textos publicitários, principalmente quando impressos, chamam tanto a atenção que acabam sofrendo críticas, chacotas e até processos. 
Como, por exemplo, uma empresa de Listas Telefônicas, que foi condenada a restituir alguns milhares de reais pagos por um colégio, acrescido de multa contratual de 10%, correção monetária e juros moratórios à taxa de 1% ao mês. A empresa sofreu o processo devido à publicação de um anúncio com erro de português. A palavra ensino foi escrita como "insino" no anúncio publicado na lista. Segundo o colégio, o erro foi ainda mais danoso por se tratar de anúncio de instituição cujo produto oferecido era exatamente a educação. 
Para o colégio, o erro colocou em questão a qualidade dos seus serviços e desde a publicação do anúncio recebeu inúmeros telefonemas desabonadores da sua credibilidade. 

No horário eleitoral gratuito em agosto de 2008, enquanto candidatos a vereador em Goiânia apregoavam suas “virtudes”, um doutor em letras da Universidade Estadual Paulista (Unesp) teve a paciência de ficar caçando erros de português – e os encontrou em nada menos do que 93% das legendas. A maioria dos erros era de pontuação. Porém alguns deles eram verdadeiros atentados à gramática, segundo o especialista. Resta a dúvida: qual foi o percentual de perda de votos desses candidatos por causa dos erros? Isso se o horário eleitoral contou mesmo alguma audiência...

Um filme publicitário do Tribunal Superior Eleitoral em fevereiro de 2008, que fazia parte da campanha "Heróis pela Democracia", trazia o seguinte texto: "Heróis existem. Não desperdice o direito que eles tanto lutaram e conquistaram para você. Vote”. 
Segundo um professor coordenador de redação e interpretação de texto de cursinho no Rio de Janeiro, a frase continha um "erro grave de regência". "Quem luta, luta por alguma coisa. É estranho que uma comunicação oficial do governo tenha um erro desses". De acordo com o professor, uma opção correta seria dizer: "Não desperdice o direito pelo qual eles tanto lutaram e que conquistaram para você".

Agora, uma outra história que foi bastante divulgada. Uma quadrilha que pretendia invadir um condomínio de luxo em São Paulo, se fazendo passar por entregadores de cestas de natal, foi presa por conta de um erro de português.
"Do ponto de vista operacional, eles são muito bons. Mas, do ponto de vista gramatical, são péssimos", disse o delegado titular que os capturou. A ação dos criminosos estava sendo monitorada pela polícia, que ficou surpresa ao ler "impório" em vez de "empório" no veículo que continha as cestas e vinhos a serem entregues em um apartamento. O alvo seria o cofre desse apartamento. A sucessão de trapalhadas foi além. A mesma palavra escrita erroneamente foi bordada em duas camisas que eles usavam para tentar enganar os porteiros. "Ninguém em sã consciência vai manter exposta uma propaganda com um erro tão grosseiro", afirmou o delegado. 

Em Criciúma, as autoridades decidiram começar a multar as agências de propaganda pelos erros gramaticais ou ortográficos nos anúncios publicitários espalhados pelas ruas. Os inúmeros anúncios com erros de português indignaram de tal forma as autoridades da cidade, que estes decidiram aplicar multas de 500 dólares às agências publicitárias responsáveis pelos cartazes. A lei foi aprovada pela Câmara local, e permitia a qualquer cidadão denunciar os erros à autarquia. Caso a empresa responsável não corrigisse os erros, incorreria na multa.

A Universidade Católica de Pelotas atravessou um período difícil por ocasião do Dia das Mães, já que ninguém da agência de propaganda, da reitoria ou da assessoria de comunicação foi capaz de perceber dois erros grosseiros de português num texto impresso de nove palavras. O texto dizia:
“Mãe que ama,
Que proteje,
Que educa,
Simplismente mãe.
Universidade Católica de Pelotas

Distração também deve ter sido a causa de uma derrapada feia da Apple, que publicou um anúncio cuja ilustração do iPod continha a seguinte frase:  “Feito especialmente para voçê”. O problema é que escreveram você, com cê-cedilha. 

De tudo isso se conclui que, se nos colégios e faculdades os erros de português resultam em notas baixas e eventualmente em reprovações nos exames, na publicidade os prejuízos podem ser muito maiores. Desde a perda de eleição até processos, de chacotas a queda de credibilidade, além de críticas nos jornais, sites e em outros meios de comunicação. 

Fica a pergunta: “herrar é umano” (como pichadores estampavam nos muros em São Paulo) ou será falta de aprendizado e de atenção? 




Acadêmico Julio Ernesto Bahr
Publicitário, escritor, blogueiro e designer gráfico

Reminiscências Pascoais

Nessa Páscoa, lembranças fugidias me perpassam na mente como brisas trazidas do passado. Ressurgem em cores esmaecidas a grande mesa posta para o almoço familiar, a tolha branca impecavelmente engomada, o círio pascal ao centro, os pequenos ovos de chocolate disposto em delicados arranjos perto de cada prato. Tudo aquilo formava um espetáculo ao mesmo tempo alegre e grandioso para adultos e crianças, que comemoravam o simbolismo da vitória da vida sobre a morte contido na ressurreição de Cristo.
Não é possível relembrar exatamente o que diziam os convidados, mas o burburinho festivo, o ressoar dos risos, as lembranças que se perdem em tons pastéis como num quadro antigo, sem dúvida foram responsáveis pela construção de um dos redutos mais importantes de minha infância.
Agora surgem na memória, como eco das tradições mineiras em que fui confeccionada a época do colégio Sion de Campanha passada no internato. Naquele interlúdio de minha vida tudo estava em seus lugares disciplinadamente. O futuro era sonhado no recreio enquanto se falava sobre o que cada uma de nós queria ser mais tarde: médica, advogada, bailarina, mãe de família com uma penca de filhos. Ninguém abria mão de se casar com um príncipe encantado e havia a crença generalizada de que podíamos controlar nosso destino.
Na Páscoa, quando a maioria das alunas passava o feriado em casa, eu que era de Belo Horizonte ficava quase só entre as imensidões daqueles corredores e salas vazias. Nem por isso era menos feliz do que as colegas que haviam partido. Ficava com minha grande caixa de ovos de chocolate que sempre chegava pontualmente, com as leituras piedosas que as freiras me indicavam e, especialmente, com minhas reflexões. Foi naqueles confins mineiros que uma semente de compreensão acabou por germinar num pensamento que me acompanhou pela vida afora: sou uma passageira da eternidade em busca de Luz.
Essas enevoadas recordações que emergem de meu remoto ontem misturam-se também às cores dos doces típicos da quaresma: doce de abóbora, doce de batata roxa, doce de cidra. Ecoam ao longe cânticos de procissões e retorna o espanto infantil diante da imagem de Jesus crucificado. Ao mesmo tempo, como era deliciosa a alegria da descoberta dos ovos de páscoa espalhados pelo jardim.
Comparando aqueles tempos com os de hoje posso concluir que sob os pores-do-sol de minha Belo Horizonte os contornos do viver eram mais bem definidos em tradições que hoje se perdem em feriados eminentemente comerciais. Mesmo assim, Pessach ou passagem (para os judeus) ressurreição ou Páscoa (para os cristãos), são comemorações que sempre deixarão subjacentes no coração do humano o desejo de superação do finito, a vontade de renascer de algum modo, a esperança de renovação. Feliz Páscoa para todos.



Acadêmica Maria Lucia Victor Barbosa  
Escritora

As uvas do tio Chiquinho


Escorreita na memória estão as lembranças que afagam e recobram o cheiro da infância. Tenho presente a imagem da minha avó que morava no sítio. Final do ano vinham os parentes de longe. Reuniam-se as filhas, os genros, os netos e as netas da vó Catarina. A casa enchia-se de gente e de alegria. Meu tio, Francisco – o Chiquinho –, sempre chegava acompanhado de algumas caixas de uvas, aquelas caixas de madeira. Todos se deliciavam.

Num daqueles finais de ano, tio Chiquinho, meu pai, vários primos e eu fomos ao sítio do japonês lá Colônia Novo Mundo. Akira, era um ousado empreendedor. Dizia ele, já nos anos 80, que, apesar do calor, era possível cultivar uvas de qualidade na nossa região. Chegando lá, para nossa surpresa, além de um lindo parreiral, cachos generosos e uvas doces, Akira convidou-nos para conhecer sua pequena vinícola. Sim, ele também acreditava na possibilidade de produzir bons vinhos. Abriu a porta de uma velha tulha e lá no fundo, temperatura amena e pouca luz, alguns tonéis convertendo o precioso líquido. Eduardo Galeano conta que um homem dos vinhedos do Uruguai, antes de morrer, sussurrou um segredo aos familiares: “A uva é feita de vinho”.
Passados alguns anos, tio Chiquinho assumiu a boleia de um caminhão e fez da estrada sua morada até a aposentadoria. Percorreu o Brasil, ultrapassou as fronteiras da distância. Quando retornava de suas viagens sempre trazia muitas estórias que ouvíamos atentos ao redor da mesa. Numa dessas odisseias, além das estórias, trouxe também algumas caixas de uvas uruguaias. Disse que havia sido presente de um “camionero”, a quem havia ajudado na estrada. Essas uvas, como as do Akira, ficaram para sempre na minha memória olfativa e afetiva.
Hoje, em sua chácara, tio Chiquinho não consome os dias no merecido descanso que a idade lhe confere. Ao contrário, admirável no cuidado e no cultivo, mantém um parreiral de uvas. Ele sempre soube cultivar uvas e, igualmente, as amizades colhidas no parreiral da vida. Nunca deixou de brindar a família e os amigos com uvas transformadas em vinhos e em boas conversas.
De fato, se as uvas são feitas de vinho, Galeano insiste em dizer que “talvez a gente seja as palavras que contam o que a gente é”. Creio que ele tenha razão. Somos o que carregamos e guardamos em nós, sobretudo os afetos armazenados nos esconderijos da memória e que partilhamos na forma de palavras. Somos como as uvas do tio Chiquinho transmutadas silenciosamente na pequena vinícola do Akira. Somos, ao mesmo tempo, vinho e uva. E depende de nós conferir sabor à vida.





Academico Clodomiro José Bannwart Júnior
Professor Associado do Departamento de Filosofia
Universidade Estadual de Londrina


Cartografia dos Afetos

Trabalho criativo do nosso Acadêmico Marco Antônio Fabiani, médico e escritor
(veja em tela grande)

O internetês e a vida real

BIJINS = BEIJINHOS
BJKAS = BEIJOCAS
BLZ = Beleza
CD, KD = Cadê?
Craro! = Claro!
CTAÍ? = Você está aí?
Eu lovo u = Eu amo você
Kirida = Querida
MIGUIM = AMIGUINHO
NAUM = Não
Pru6 = Para vocês
RULEZ = Maneiro, legal;
SifU que já mifU = Vai que eu já fui
T+ = Até mais, tchau
 Tôka módó... = Estou com muito dó...

Se vocês repararem bem, o internetês, a escrita usada pelas tribos da internet, já saiu do reduto delas (tribos) para se espalhar nas redes sociais, nas mensagens via WhatsApp e inundam comentários nos blogs e portais informativos. Mesmo que os portais ou blogs abordados nem adotem tal idioma.
A maioria dos “escrivinhadores” de internetês é jovem, se diverte com isso e nos faz lembrar da velha “língua do pê”, um código primário que a maioria dos pré-adolescentes utilizava entre si há algumas décadas.
O que preocupa são os dados da incultura linguística brasileira. Sabemos que cada vez mais os estudantes aprendem menos. Os vestibulares nos dão provas da incompetência dos jovens em redigir textos, pois são incapazes de utilizar corretamente o vernáculo.
Ora, se os jovens não conseguem nem aprender a língua portuguesa, revelando-se um fracasso completo na hora de buscar um emprego, naufragando nas entrevistas e nas exposições escritas, o que dizer então dessas tribos que usam o internetês?
A vida real globalizada requer muito mais do que a língua do pê ou o internetês. O mercado profissional não se limita a exigir um português razoavelmente bem escrito e bem falado, mas também ótimos conhecimentos de no mínimo mais um idioma, como inglês, francês, alemão, japonês e agora até chinês e russo.
Na vida real, o internetês não vale nem como primeiro, nem como segundo idioma.


Julio Ernesto Bahr
Publicitário, escritor, designer gráfico
e blogueiro

Fantasias

-Por favor, tem passagem para Sonholindo?
-Não senhor.
-Não tem mais passagem?
-Não, meu senhor. Não tem Sonholindo. Esse lugar não existe. Aqui tem passagem para Água da Mula, para São Pedro do Piquiri, Barrinhos, Redenção...
-Redenção!! Estou querendo passagem para Sonholindo e o senhor me oferece Redenção!!
-Não amigo, não estou oferecendo. Estou dizendo que existem passagens para esses lugares. O senhor compra se quiser. Agora, passagem para Sonholindo não tem.
-Não! Para outro lugar não quero. Eu quero mesmo é ir para Sonholindo. Falaram para mim que não fica longe.
-Mas o senhor sabe mais ou menos onde fica? Quem sabe o outro vendedor possa informar melhor.
-Bom... Sabe como é... as pessoas explicam e nem sempre a gente entende direito. Pelo que me falaram fica ao norte. Logo depois de Canaã a gente deve virar a direita. Assim que chegar em Passárgada, é seguir em frente. Está logo ali. Não parece longe, parece?
-Depende. Lugar que não existe não dá para dizer que é longe. Nem perto.
-Mas, sabe moço, eu não tenho preguiça nenhuma de procurar. Para dizer a verdade, eu estou tentando ir para lá desde sempre.
-Bom, eu já vi gente procurando passagem para cada lugar! Eu estou no ramo de vender passagens faz muito tempo. Mas esse lugar ninguém tinha procurado até hoje. 
-Pois deviam. Não sei por que esse lugar é tão desconhecido. Não era para ser. Só para o senhor saber, lá ninguém precisa trabalhar. Tudo é de graça. Caso você precise de uma casa, é só escolher. E tem mais, lá, pode acreditar, ouro não vale nada, nadinha. Sabe porque? Porque tem ouro brotando no chão. Eu mesmo conheci um que rastelava ouro no fundo do quintal e tentou vender. Ninguém comprou porque todo mundo tinha à vontade. Além disso...
- Mas, Ô meu amigo. Não adianta me contar essas histórias, porque não tenho passagem mesmo. Pode ser um lugar maravilhoso, mas não tenho como levar o senhor até lá.
-Mas, olha, agora assim olho no olho. Você não gostaria de ir até lá?
-Claro! Se de fato for como o senhor fala...
-E é!
-Mas eu duvido. Duvido e faço pouco. Lugar que ouro não vale e não precisa trabalhar... O senhor vai procurar passagem para lá o resto da vida.
-Pois eu digo mais para o senhor. Não só não precisa como é proibido trabalhar. O que você precisa ou sonha é só dar alguns passos e está lá o que se deseja. Para o calor, sombra e água fresquinha jorrando das quedas d’água. Muito frio? Casa aconchegante com lareira e tudo.
-Sei.
-Sonholindo tem o tamanho do seu desejo.
-Sei.
-E daí, vamos?
-Ah! Não posso. Tenho que vender passagens. O emprego não é lá essas coisas, mas garante o fim do mês, né? E se eu não achar esse tal de Sonholindo?
-E daí? Pelo menos a gente procura. Eu mesmo estou procurando faz uma vida e não paro por nada.
-E se não achar?
-O gosto está na procura, rapaz!
-Não é que eu não queira... Esse empreguinho aqui está bem chato... Mas eu nunca gostei de me arriscar, o senhor entende, né?
-Entendo, mas não concordo. O que você está ganhando aqui? Não tem risco, mas também não tem prêmio. Vou te perguntar pela última vez. O que você ganha ficando aqui?
 (Pausa)
-Zézinhooo, vê se assume esse guichê aqui que eu estou tendo de sair.
-!!!!!???!!!
-Como assim, não posso. Tanto posso que já estou de saída. Se alguém perguntar diz que vou procurar passagem para Sonholindo.
-!!!!!?????
-Fui!


Acadêmico Marco Antônio Fabiani
Médico e escritor