Extratos da nossa reunião de 13/12/2020

Nosso Mestre de Cerimônias Jonas Rodrigues de Matos conduziu a reunião

A Acadêmica Neusi Berbel procedeu à leitura do nosso Credo Acadêmico


Caros confrades e confreiras, convidados e visitantes – sejam bem-vindos!
Na origem da vida psíquica há o silêncio. É aquele momento crucial entre o findar do tempo uterino e encontro com o mundo externo. O grito, o choro, o espernear em desespero que se seguem ao ato vital de respirar após o nascimento, encontram guarida no acolhimento carregado de afetos oferecidos por um adulto disposto a ajuda-lo a encontrar-se consigo mesmo. O início do mundo psíquico se dá a partir deste encontro com o que vem de fora, com o outro. Aquele que interpreta as exigências vitais e os estímulos externos de modo a apaziguá-los, torna-los toleráveis  e, assim, desenvolver, na interação do sujeito-bebê e o objeto-adulto, o princípio de desprazer/ prazer. As “imagens de movimento” oferecidas pelo adulto para ajudar no arranjo entre as excitações e os movimentos de contenção do bebê caminham junto com as pulsões de lançar-se ao mundo e fugir dos temores que este representa, como o desconhecido e o intolerável. Entretanto, mesmo lançados que somos a este mundo de estímulos, não deixamos de buscar aquela experiência nirvânica, “ tipo de gozo de quietude, ou seja, de ordem qualitativa, miticamente anterior ao estado de desamparo” ao qual me referi no início do texto (Delouya, D., 2020, p. 51). Experiência que é rompida pela introdução da realidade, das “exigências vitais de dentro e de fora” que são atendidas pela condição ontológica e necessária de prosseguir a vida (idem, p.51). Ao mesmo tempo, nesta experiência reside a capacidade de estabelecer ligações com o objeto. Ou seja, é preciso contenção, certa passividade para experimentar prazer no encontro com o outro. Conseguimos, assim, registrar traços e trilhas, fontes da memória e da possibilidade de reaprender com a experiência. Alguns tentam recuperar este estado de plenitude experimentado num átimo de tempo, através da meditação, da oração, de práticas rituais religiosas variadas, de contato com a natureza, mas também, através das drogas, do consumo compulsivo, do culto narcísico extremo ao corpo, e outras formas, cujos efeitos nefastos não vou abordar, pois não é este o tema desta palavra.  
Porque estou a lhes dizer isto? Porque estamos num mês em que se comemora um nascimento. O significado deste nascimento se perdeu em meio a ação das forças de mercado e, em especial, à busca ilusória de prazer a qualquer custo. Muitos povos tem rituais cujo propósito é o encontro com o eu interior. Nossa civilização ocidental, cristã, tem no Natal o momento de celebrar este encontro do ser humano consigo mesmo. É o momento de recolher-se, de conter os impulsos de excitação em direção à descarga. É o momento de silenciar, de meditar, de oferecer e receber acolhimento que nos alivie da experiência de desamparo e dor inerentes à nossa existência. Experiências, essas, intensificadas neste ano tão traumático. 
Obs.: Este texto foi inspirado no artigo do Psicanalista Daniel Delouya,  Além do Princípio do Prazer: Entre pulsões, vida e morte”. Revista Brasileira de Psicanálise, v. 54, nº 1-2020.
Na qualidade de presidente da Academia e, em nome da Diretoria, faço votos para que se fortaleçam frente às agruras vividas neste ano e conduzam suas vidas com muita criatividade e amor ao longo de 2021!
Acadêmica Ludmila Kloczak

Acadêmico Sergio Alves Gomes

No momento “Palavra do Orador”, foi, pela Presidente Ludmila Kloczak, concedida a palavra ao Acadêmico e Orador Sergio Alves Gomes, o qual, ao saudar todos presentes e agradecer à Presidência  pela oportunidade de pronunciar-se, destacou de modo especial a presença da escritora  Adelia Maria Woellner, membro da Academia Paranaense de Letras, relembrando o Orador ter sido ela sua Professora, na graduação em Direito,  homenageada como Patronesse de Turma, na Pontifícia Universidade Católica do Paraná, em Curitiba.
Em seguida, GOMES esclareceu que, em razão do 72º ANIVERSÁRIO DA DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, ocorrido no dia 10 do corrente mês de dezembro, dedicaria o tempo de sua comunicação para expor, brevemente, alguns aspectos relevantes da referida Declaração, fazendo-o nos seguintes termos:

1. Significado e Importância da Declaração para a Humanidade

A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi adotada e proclamada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948, pela Resolução 217 A (III). (1) Sua importância é assim destacada pelo   jurista e Prof. emérito da Faculdade de Direito da USP, Celso Lafer: “foi um acontecimento histórico de grande relevância. Pode ser considerada  um evento inaugural representativo de uma nova concepção da vida internacional ao afirmar, pela primeira vez, em escala planetária, o papel dos Direitos Humanos na convivência coletiva”.(2)  E acrescenta o mesmo autor: “A Declaração é o primeiro texto de alcance internacional que trata de maneira abrangente da importância dos direitos humanos. Neste sentido é um marco na afirmação histórica da plataforma emancipatória do ser humano representada pela promoção dos direitos humanos como critério organizador e humanizador da vida coletiva na relação governantes-governados. No plano internacional, representa [...] a passagem do dever dos súditos para os direitos dos cidadãos”. (3)
Durante a Segunda Guerra Mundial, a região central da Europa - especialmente Alemanha e Polônia - foi ocupada pela sordidez dos crimes de genocídio, nos campos de concentração, como os de Auschwitz, Treblinka, Sobibor e tantos outros. Neles, milhões de seres humanos foram exterminados, como vítimas da violência estimulada pela insana ideologia defensora de uma raça pura. Passada a hecatombe, restavam seus escombros como retrato e prova cabal da capacidade humana também para arquitetar e realizar a destruição e a prática do mal contra a própria humanidade.  Diante de tal cenário, a consciência moral, jurídica e política dos povos que perceberam a gravidade dos acontecimentos não tinha como justificar-se para ficar alheia ao ocorrido e seguir avante como se nada tivesse acontecido de mal para o mundo todo, um mal tão incomensurável que, segundo Hannah Arendt, foi, em verdade, “banalizado”.(4)  Foi neste contexto de pós-II guerra  que  quarenta e oito  países – dentre eles o Brasil- reunidos na III Assembleia Geral das Nações Unidos (o Palais de Chaillot, de Paris),  aprovaram a Declaração Universal dos Direitos Humanos.  

2. ESTRUTURA DA DECLARAÇÃO 

O texto aprovado é composto por um preâmbulo e trinta (30) artigos. O preâmbulo apresenta as razões pelas quais se fez necessária tal proclamação e convoca “todos os povos e todas as nações” do mundo a promoverem os direitos humanos que integram a Declaração. Vale destacar algumas destas razões porque não apenas justificam os direitos declarados, mas também inspiram o novo arcabouço jurídico que virá a se desenvolver no âmbito do Direito Internacional, de modo a ensejar o nascimento e desenvolvimento do “Direito Internacional dos Direitos Humanos”. E isso ocorre não somente como reação à barbárie vivenciada nas duas Grandes Guerras  mas, sobretudo, como  prevenção a favor de um futuro humano livre das múltiplas formas de dominação, escravidão  e destruição possíveis e já vivenciadas,  em razão da “vontade de poder” sem limites, demonstrada pelos horrores dos fatos e atos que jamais devem ser esquecidos pela humanidade, para que não se repitam. 
O preâmbulo afirma “que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo”; reconhece “que o desprezo e o desrespeito pelos direitos da pessoa resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que as pessoas gozem de liberdade de palavra, de crença e de liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do homem comum”; apregoa “que os direitos da pessoa sejam protegidos pelo império da lei, para que a pessoa não seja compelida, como último recurso, à rebelião contra a tirania e a opressão”; considera “essencial promover o desenvolvimento das relações amistosas entre as nações”; lembra “que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta (das Nações Unidas- adotada pela Conferência de São Francisco, em 26 de junho de 1945 e ratificada pelo Brasil em 21 de setembro daquele mesmo ano), sua fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor da pessoa humana e na igualdade de direitos do homem e da mulher, e que decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla; destaca também “que os Estados-membros se comprometeram a promover, em cooperação com as Nações Unidas, o respeito universal aos direitos e liberdades fundamentais da pessoa e a observância desses direitos e liberdades”; por fim,  considera  “que uma compreensão comum desses direitos e liberdades é da mais alta importância para o pleno cumprimento desse compromisso”. Na sequência, ao proclamar a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o texto a qualifica  “como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, se esforcem, através do ensino e da educação, em promover o respeito a esses direitos e liberdades e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, em assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universais e efetivos, tanto entre os povos dos próprios Estados-membros quanto entre os povos dos territórios sob a sua jurisdição”. (5) 
Para a melhor compreensão da estrutura composta pelos trinta (30) artigos da Declaração,  Celso Lafer invoca a lição de René Cassin, professor de Direito, ex-combatente da primeira Guerra Mundial, diplomata e “um dos construtores da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU”.(6)  Para Cassin, a Declaração é vista “como o pórtico do templo dos direitos humanos, um templo que pressupõe a ‘dignidade inerente a todos os membros da família humana’ afirmado no primeiro dos considerandos do preâmbulo. A base deste pórtico é o princípio da generalização [...]. A generalização se baseia no princípio da igualdade em dignidade de direitos (art. 1º) e no seu corolário lógico, o princípio da não discriminação de qualquer espécie ou natureza (art. 2º).” Estes dois enunciados têm por destinatários todos os seres humanos, os quais “devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade, posto que são dotados de razão e consciência” .  Quatro colunas se erguem sobre este pórtico, todas com igual importância. A primeira coluna trata dos direitos e liberdades de natureza pessoal, previstos nos artigos 3 a 11: vida, liberdade, segurança e dignidade da pessoa; igual proteção perante a lei; garantia contra a escravidão, a tortura, as detenções e penas arbitrárias e o direito de recorrer ao Judiciário contra abusos do poder.  A segunda coluna é composta pelos “direitos do indivíduo no seu relacionamento com os grupos a que pertence e as coisas do mundo exterior. São elencados nos arts.12 a 17.  O direito à vida privada e à intimidade, o direito à liberdade de locomoção e ao asilo em caso de perseguição, o direito à nacionalidade, o direito, em pé de igualdade, de homens e mulheres de casar, de criar uma família, de ter um lar, um domicílio e o direito à propriedade, só ou em sociedade com outros.” Na terceira coluna estão os direitos previstos nos artigos 18 a 22: a liberdade de consciência, de pensamento, de crença, de palavra, de expressão, de reunião, de associação, de tomar parte na vida política, de participar de eleições livres e periódicas.  A quarta coluna é composta pelos direitos econômicos, sociais e culturais, contemplados nos arts. 22 a 27: direito ao trabalho, à livre escolha do trabalho, à seguridade social, às liberdades sindicais, à educação, ao descanso, à vida cultural e à proteção da criação intelectual e artística. “O topo das quatro (4) colunas é arrematado por um frontão que assinala os laços entre o indivíduo e a sociedade. São os artigos 28 a 30. Neles se proclamam: (i) a necessidade de uma ordem social e internacional no âmbito da qual os direitos e liberdades da pessoa possam ter pleno efeito; (ii)os deveres para com a comunidade na qual o desenvolvimento da pessoa é possível; (iii) a obrigação do estado, grupos ou pessoas de não praticarem atos contrários ao estipulado na Declaração”. (7) 

3. OBRIGATORIEDADE E DESDOBRAMENTOS DA DECLARAÇÃO 

A obrigatoriedade do respeito ao conteúdo da Declaração pelos Estados que  integram as Nações Unidas fica evidenciada na síntese da jurista brasileira FLÁVIA PIOVESAN, membro da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Observa ela que o entendimento legalista segundo o qual a Declaração Universal por ter a forma de declaração e não de tratado não apresenta força jurídica obrigatória e vinculante, “ensejou o processo de  ‘Juridicização’ da Declaração, concluído em 1966 com a elaboração de dois distintos tratados internacionais – O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.  Formou-se, desse modo, a Carta Internacional dos Direitos Humanos, ou a International Bill of Rights, integrada pela Declaração Universal de 1948 e pelos dois Pactos Internacionais de 1966. [...] A Carta Internacional dos Direitos Humanos inaugura o sistema normativo global de proteção desses direitos, ao lado do qual já se delineava o sistema regional de proteção. A sistemática normativa de proteção internacional dos direitos humanos faz possível a responsabilização do Estado no domínio internacional quando as instituições nacionais se mostram falhas ou omissas na tarefa de proteção dos direitos humanos.” E mais adiante acrescenta a mesma autora: “Em suma, no sistema internacional de proteção dos direitos humanos, o Estado tem a responsabilidade primária pela proteção desses direitos, ao passo que a comunidade internacional tem a responsabilidade subsidiária, quando falham as instituições nacionais”. (8)
Por último, cabe destacar que, inspirados na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, além dos dois Pactos de direitos já mencionados que com ela compõem a Carta Internacional dos Direitos Humanos, múltiplos Instrumentos internacionais - tanto de alcance global (sistema global) quanto de alcance regional (sistema regional interamericano) -  foram produzidos e ratificados pelo Brasil, para a proteção tanto de ordem geral (proteção destinada a todas as pessoas) quanto de ordem especial (proteção destinada às pessoas em situações especiais de vulnerabilidade). São alguns exemplos de tais instrumentos: a  Convenção para a prevenção e repressão do crime de genocídio (ratificada em  1951); Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penais cruéis, Desumanos e Degradantes (ratificada em 1989); Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher (ratificada em  1984); Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial (ratificada em 1968); Convenção sobre os Direitos da Criança (ratificada em 1990); Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (ratificada  em 2008); Convenção Americana de Direitos Humanos (ratificada em  1992); Convenção  Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (ratificada em 1995).(9) 

CONCLUSÃO

 O 72º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos convida todos para melhor conhecer, compreender, respeitar e exigir, especialmente das autoridades constituídas, com base na Constituição de 1988 e de todos os tratados e convenções dos quais o Brasil é signatário, a efetiva prevalência, promoção e concretização dos direitos humanos. A Cultura dos direitos humanos é a cultura da humanização do próprio homem em suas relações com seus semelhantes. Tanto na esfera pública quanto no espaço privado. Deve ser sempre valorizada e muito mais neste momento em que   a humanidade se vê desafiada pela maior crise desde a segunda guerra mundial, em razão da atual pandemia, cujas dimensões são múltiplas e traumáticas. (10) Oxalá, que  deste sofrimento coletivo, ainda que  mesclado de egoísmo, cegueira e negacionismo de alguns, exsurja a percepção de que os direitos humanos compõem o núcleo ético, jurídico e político da democracia, a qual tem sofrido contínuos ataques, especialmente do denominado “nacional-populismo”.(11)  Sem direitos humanos não há democracia e vice-versa, porquanto somente onde se reconhece a dignidade inerente a todo ser humano os direitos humanos fazem sentido, pois é pelo grau de efetividade deles que se constata, na prática, o valor atribuído pela sociedade a cada ser humano que dela faz parte. Que a Declaração Universal dos Direitos Humanos, por suas razões  e conteúdo de fraternidade e solidariedade, toque a razão  e a sensibilidade  de todos a fim de que nos tornemos , efetivamente,  mais humanos, não apenas em palavras e aparência, mas na essência, pelo modo de ser e de estar no mundo. Um mundo que está a exigir menos competição e mais cooperação, menos guerras e mais diálogo, menos   indiferença e mais empatia, menos ódio e inveja e mais amizade entre pessoas, povos e nações. 
Feliz NATAL e abençoado ANO NOVO, com muita paz e alegrias a todos!

Notas:
(1) Cf. Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948). In: VILHENA, Oscar Vieira (org.) Direitos Humanos: Normativa Internacional. São Paulo: Max Limonad, 2001, p.15.
(2) Cf. LAFER, Celso. Direitos Humanos: um percurso no Direito no século XXI, vol. 1. São Paulo: Atlas, 2015, p.3. 
(3)Cf. LAFER, Celso. Opus cit. p.5.
(4)Cf. ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém: Um relato sobre a banalidade do mal. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.  
(5)Cf. VILHENA, Oscar Vieira (org.), op. cit. p.15/16. 
 (6) Cf. AGI, Marc. René Cassin, um dos construtores da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU. Disponível em:  http://www.dhnet.org.br/direitos/deconu/a_pdf/cassin_construtor_dudh.pdf. Acesso em 11/12/2020. 
(7) Cf. LAFER, Celso. Op. cit. p. 35/36.
(8) Cf. PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional, 18ªed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 506/507.
(9) Idem, p. 519/523.
(10) Cf. a respeito BIRMAN, Joel. O Trauma na Pandemia do Coronavírus: suas dimensões políticas, sociais, econômicas, ecológicas, culturais, éticas e científicas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2020.
(11) Cf. sobre este tema EATWELL, Roger; GOODWIN, Matthew. Nacional-populismo: a revolta contra a democracia liberal. Rio de Janeiro: Record, 2020.
 

DIREITO AO TRABALHO DIGNO E À EDUCAÇÃO DE QUALIDADE
* Acadêmica Dinaura Godinho Pimentel Gomes

INTRODUÇÃO

Cumpre-me desde logo DESTACAR que o conceito estruturante de Estado Democrático de Direito tem como ponto central a pessoa humana com sua dignidade. E é através de um trabalho digno que se dá a inserção dos integrantes da grande maioria da população ativa no Sistema Econômico, Social e Jurídico, garantidor de um patamar civilizatório essencial à realização de todos como cidadãos e ao sentido de suas próprias vidas. Nesse contexto, a educação de qualidade se apresenta como um dos meios indispensáveis para se garantir o acesso aos novos postos de trabalho, principalmente nesta era digital de expansão da inteligência artificial e da robótica, em plena Revolução 4.0.

2. DIREITO À EDUCAÇÃO DE QUALIDADE PARA A FORMAÇÃO DO CAPITAL HUMANO

Para o enfrentamento dos desafios advindos dessas transformações sob o influxo das inovações tecnológicas, o crescimento econômico do país, proporcionado pela elevação da produtividade, passa a depender sempre mais da efetiva formação de capital humano. Verifica-se a importante manutenção e expansão de contínuos esforços de instituições internacionais, a congregar várias nações em prol da educação de qualidade para todos, a exemplo do que relata LIMA (2019, p. 58): 
Em 2015, foi realizado o Fórum Mundial da Educação, em Incheon, na Coréia do Sul, no qual se adotou a “Declaração de Incheon e o Marco de Ação da Educação Rumo a uma Educação de Qualidade Inclusiva e Equitativa e à Educação ao Longo da Vida para Todos”. O fórum, mais uma vez organizado sob a liderança da Unesco com a participação de 160 países, com mais 120 ministros, chefes e membros de delegações, líderes de agências e funcionários de organizações multilaterais e bilaterais, além de representantes da sociedade civil, docentes, movimento jovem e setor privado. Todos comprometidos em estabelecer o balanço da realidade no campo da educação no mundo, com vistas a apresentar uma nova agenda para a educação até 2030 [...].
A nova agenda enfatiza o compromisso com a educação voltada para valores humanísticos, com base nos direitos humanos, no respeito à dignidade da pessoa, na justiça social, no respeito à diversidade e à igualdade de gênero, na responsabilidade dos Estados em promovê-la, na prestação de contas compartilhadas, entre outros.  
 A referida Declaração proclama, com nitidez, o poder transformador da educação como a maior ferramenta para se atingir o pleno emprego e a erradicação da pobreza, ao fomentar o desenvolvimento de habilidades relevantes direcionadas ao desempenho de pontuais competências técnicas e profissionais. Além disso, invoca a educação como meio de inclusão social a favorecer  a promoção da democracia  e dos direitos humanos, da cidadania global e do engajamento civil, bem como do desenvolvimento sustentável.                              
Nessa ocasião, tendo a participação da UNESCO, são invocados os compromissos assumidos com a promoção da educação de qualidade até 2030, nos seguintes termos:   
Comprometemo-nos com uma educação de qualidade e com a melhoria dos resultados de aprendizagem e de mecanismos  para medir o progresso. Garantiremos que professores  e educadores sejam empoderados, recrutados adequadamente, bem treinados, qualificados profissionalmente, motivados e apoiados em sistemas que disponham de bons recursos e sejam eficientes e dirigidos de maneira eficaz. A educação de qualidade promove criatividade e conhecimento e também assegura a aquisição de habilidades básicas em alfabetização e matemática, bem como habilidades analíticas e de resolução de problemas, habilidades de alto nível cognitivo e habilidades interpessoais  e sociais. Além disso, ela desenvolve habilidades, valores e atitudes que permitem aos cidadãos levar vidas saudáveis e plenas, tomar decisões conscientes e a desafios locais e globais por meio de educação para o desenvolvimento sustentável (EDS) e da educação para a cidadania global [...].  (UNESCO, 2015). 
Convém trazer à baila, o disposto no art. 13,1, do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos Sociais e Culturais – resultante da juridicização da Declaração Universal dos Direitos Humano - adotado pela   XXI Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 19 de dezembro de 1966 e ratificado pelo Brasil em 6 de julho de 1992:
 Artigo 13,1. Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa à educação. Concordam em que a educação deverá visar ao pleno desenvolvimento da personalidade humana e do sentido de sua dignidade e fortalecer o respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais. Concordam ainda em que a educação deverá capacitar todas as pessoas a participar efetivamente de uma sociedade livre. (PIDESC).
Em sintonia, na Constituição da República Federativa do Brasil, em vigência desde 1988, a educação e o trabalho se apresentam inseridos no rol dos direitos fundamentais sociais, conforme está previsto no art. 6º:  “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.
A educação está configurada, assim, como uma das devidas prestações positivas, obrigatórias, por parte do Estado brasileiro em favor do pleno desenvolvimento de toda e qualquer pessoa. A especificação mais detalhada do direito à educação consta dos artigos 205 a 214, da mesma Lei Maior, sendo certo que o artigo 205 assim dispõe: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.                                          
Para o Banco Mundial, o capital humano consiste no conhecimento, habilidades e saúde acumuladas por pessoas no decorrer de suas vidas, o que lhes permite realizar seu potencial como membros produtivos de uma sociedade. Em 11 de outubro de 2018, o mesmo Banco Mundial divulgou o Índice de Capital Humano, durante a reunião anual entre a instituição e o Fundo Monetário Internacional (FMI) na Ilha Indonésia de Bali. De suas aferições, apresenta o seguinte resultado, dentre 157 países: 
O índice, realizado em forma de ranking, analisa os países em função dos investimentos em saúde e educação para o desenvolvimento do capital humano [...]. O Brasil aparece em 81ª posição, bem abaixo de vizinhos do continente como Argentina (63º lugar) Equador (66º) ou Peru (72º). Entre os latino-americanos, o Chile é o que aparece em melhor situação, no 45° lugar. O dispositivo, que avalia critérios como escolarização e pautas de saúde, foi liderado por países asiáticos. Singapura está no topo da lista, seguido de Coreia do Sul, Japão, Hong Kong. (BANCO MUNDIAL).
Lamentavelmente, no Brasil, segundo Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), em 2019, a taxa de analfabetismo das pessoas de 15 anos ou mais ficou em 6,6%, o que corresponde a 11 milhões de pessoas. Mais da metade dos analfabetos (56,2% ou 6,2 milhões) viviam na região Nordeste e 21,7% (2,4 milhões de pessoas) viviam no Sudeste. Das 50 milhões de pessoas de 14 a 29 anos do país, 20,2% não completaram alguma das etapas da educação básica, seja por terem abandonado a escola antes do término desta etapa, seja por nunca a terem frequentado. Nesta situação, portanto, havia 10,1 milhões de jovens, dentre os quais, 58,3% de homens e 41,7% de mulheres. Apesar da proporção de pessoas de 25 anos ou mais com ensino médio completo ter crescido no país, passando de 45,0% em 2016 para 47,4% em 2018 e 48,8% em 2019, mais da metade (51,2% ou 69,5 milhões) dos adultos não concluíram essa etapa educacional. É o que mostra o módulo Educação, da PNAD Contínua 2019, divulgado em 15 de julho de 2020 pelo IBGE.               
Concomitantemente, a realidade aponta que, no último trimestre deste ano, segundo pesquisa do IBGE, o número de desempregados alcançou 14,1 milhões  trabalhadores (IBGE). 

3. O DIREITO AO TRABALHO DECENTE NO ÂMBITO DA SOCIEDADE  DIGITALIZADA
Verifica-se que o mundo do trabalho encontra-se em plena ebulição diante de inovações tecnológicas permanentemente introduzidas, configuradas como a Quarta Revolução Industrial. 
Convém esclarecer que a inicial difusão do termo Revolução 4.0 ou Quarta Revolução Industrial ocorreu em 2012, em Hannover, Alemanha, sendo certo também que, em janeiro de 2017, no Fórum Econômico de Davos, foram apresentados alguns dos elementos marcantes dessa Revolução, concentrada para o uso das nanotecnologias, neurotecnologias, biotecnologias, robôs, inteligência artificial, drones, sistemas de armazenamento de energia e impressora 3D.
Para Klaus Schwab, fundador e presidente executivo do Fórum Econômico Mundial, as contemporâneas mudanças impostas pela introdução das inovações tecnológicas específicas dessa quarta revolução industrial atingem primordialmente as relações de trabalho, ensejando a criação de novas modalidades de empregos e o aniquilamento de muitos outros, hoje existentes. Apesar de um excessivo índice de desempregados no mundo, existem vagas não ocupadas para trabalhadores bem qualificados para atividades de inovação e criatividade funcional no desempenho produtivo, que exigem contínua capacitação e adequação.   E assim sintetiza: 
Estou convencido que o talento, mais que o capital, representará o fator crucial da produção. Por essa razão, a escassez de uma força de trabalho capaz, mais que a disponibilidade de capital, terá mais probabilidade de constituir o limite incapacitante da inovação, competitividade e crescimento [...] Essas pressões também irão nos forçar a reconsiderar o que entendemos por “alta competência” no contexto da quarta revolução industrial. As definições tradicionais de trabalho qualificado dependem da presença de educação avançada ou especializada e um conjunto definido de competências inscritas a uma profissão ou domínio de especialização. Dada a crescente taxa de mudanças tecnológicas, a quarta revolução industrial exigirá e enfatizará a capacidade dos trabalhadores em se adaptar continuamente e aprender novas habilidades e abordagem dentro de uma variedade de contextos. (SCHWAB, Klaus, 2016 p. 15,16 e 51).
Assim, mudanças estruturais imediatas são essenciais, no campo da educação, para o enfrentamento de grandes desafios advindos da integração dos mundos físico e digital, que alteram substancialmente o modo e o conteúdo das prestações laborais, cada vez mais dependentes do alto nível de capacitação e gestão, para o acesso a postos de trabalho.. 
Eis as pertinentes perspectivas lançadas por Hubert Alquéres:
A OCDE é um fórum multinacional. Entre suas ações voltadas para a educação está o Pisa, respeitado sistema internacional da avaliação do ensino, cujos resultados servem de parâmetro para países identificarem a qualidade de sua educação e, a partir daí, traçar políticas públicas para a sua melhoria.
A inquietude tem razão de ser quando se leva em consideração dados do  Fórum Econômico Mundial, segundo os quais 65% dos trabalhos que os jovens, que hoje estão na educação básica,  realizarão ao final de seu percurso escolar, ainda nem foram inventados. Estima-se que, em um período de dez a quinze anos, 47% dos atuais postos de trabalho desaparecerão, com a robótica e a inteligência artificial, substituindo o homem em atividades rotineiras; manuais ou intelectuais.
Nesse quadro, o desafio da educação é formar jovens para empregos que ainda não foram criados, para tecnologias ainda não inventadas, para solucionar problemas que não foram previstos ainda, mas que serão uma realidade quando concluírem seu ciclo escolar e estiverem aptos a ingressar no novo mercado de trabalho. (ALQUÉRES, 2019, p. 39)

CONCLUSÃO
Para concluir, cabe ressaltar o inteiro teor do art. 170, da atual Constituição da República Federativa do Brasil, que assim dispõe:
Art. 170 A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social: observados os seguintes princípios:  I -  soberania nacional;  II -  propriedade privada; III -  função social da propriedade; IV -  livre concorrência;  V -  defesa do consumidor; VI -  defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII -  redução das desigualdades regionais e sociais; VIII -  busca do pleno emprego;  IX -  tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. (destacamos em negrito). 
Indubitavelmente, não há como se alcançar o desenvolvimento sustentável do País sem o acesso à educação de qualidade e ao trabalho decente, principalmente diante de milhões de pessoas analfabetas e desempregadas, que compõem os maiores índices de exclusão social, inclusive em decorrência da pandemia do Covid-19. Portanto, impõe-se ao Estado brasileiro assumir com mais eficiência e eficácia sua responsabilidade constitucional no tocante à implementação dos direitos fundamentais sociais, dentre os quais a educação de qualidade para o acesso ao trabalho digno. Ademais, tem como direcionar a formação de parcerias público-privadas e a atuação empresarial tendentes ao alcance de etapas mais progressistas e inovadoras de produção. Assim, nessas circunstâncias, devem as empresas bem exercer sua função social, dando prevalência à dimensão humana, de modo a garantir a todos existência digna. 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
ALQUÉRES, Hubert. O Novo Conhecimento. O desafio da educação é formar jovens para empregos que ainda não foram criados. In: Revista Cult, nº 246. São Paulo: Editora Bregantini, junho de 2019.
BANCO MUNDIAL – Índice de Capital Humano.  Disponível em: http://br.rfi.fr/brasil/20181011-brasil-esta-no-81-lugar-do-primeiro-indice-de-capital-humano-do-banco-mundial. Acesso em: 13 de novembro de 2020.
IBGE. Disponível em :< https://www.ibge.gov.br/explica/desemprego.php>.
Acesso em: 3 dez.2020.
LIMA, Carolina Alves de Souza. Cidadania, Direitos Humanos e Educação: avanços, retrocessos e perspectivas para o século 21. São Paulo: Almedina, 2019.
PIDESC – PLANALTO. Disponível em< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0591.htm>. Acesso em: 07dez.2010.
SCHWAB, Klaus. A Quarta Revolução Industrial. Trad. Daniel Moreira Miranda. São Paulo: Edipro, 2016.
UNESCO, 2015. Declaração de Incheon e o Marco de Ação da Educação Rumo a uma     Educação de Qualidade Inclusiva e Equitativa. Disponível em: <https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000233137_por>. Acesso em: 27abril2020.

* Pós-Doutora em Direito pela Pontifícia Universidade Católica - PUC-SP; Doutora em Direito do Trabalho e Sindical pela Universidade Degli Studi di Roma - LA SAPIENZA, com revalidação do diploma pela Universidade de São Paulo – USP; Especialista em Economia do Trabalho pela UNICAMP; Magistrada do Trabalho (9ª Região- PR. Aposentada); Professora Universitária em Cursos de Pós-Graduação. Autora de livro e artigos publicados em revistas e em diversas obras coletiva

Recital de Violão, com Gustavo Gorla*

Fomos brindados com um belíssimo recital, com o violonista apresentando uma sequência de músicas em vários ritmos, que mereceram aplausos (na modalidade remota) e vários comentários entusiasmados via chat

Veja e ouça sua apresentação:

> Clique aqui para abrir o vídeo

* Gustavo Gorla é violonista, compositor, produtor musical e estudante do curso de Licenciatura em Música pela Universidade Estadual de Londrina, na qual participa do projeto Cordas Brasileiras. Atua no cenário musical da cidade pela realização de apresentações, tanto solo quanto pelos projetos que participa como músico. Além de participar da organização de eventos culturais, também é idealizador do Musíca Londrina, projeto que busca trazer visibilidade para os músicos londrinenses à partir da produção de conteúdos de mídia.

Manoel de Barros, a simplicidade no convexo
Nilson Monteiro *

“Manoel é incomparável, está longe dos demais poetas. Só seria comparável no mundo a alguém como Picasso” (Fausto Wolff, jornalista e escritor)
     É difícil, para não dizer impossível, teorizar sobre Manoel de Barros. Sua poesia não se enquadra em movimentos como parnasianismo, modernismo, pós-modernismo, concretismo etc. ou em formas: sonetos, tercetos etc.
     Ou se sente ou não se sente.
     Ele é, sobretudo, original.
“A razão é a última coisa que deve entrar na poesia”.
Mas, ao mesmo tempo ele diz:
“Poesia tem que aguçar o seu olhar, a sua percepção de mundo”.
     Nascido em Cuiabá (MT), em 19 de dezembro de 1916, filho de um arameiro, que virou fazendeiro. Ainda criança, estudou em um internato de padres, em Campo Grande. Lá, começou a ler os escritos de Padre Vieira. 
     “Eu aprendera em Vieira que as imagens pintadas com palavras eram para se ver de ouvir”
     De sua infância, na fazenda Santa Cruz, retiro versos de “Entrada”, em “Poesia Completa”: 
Distâncias somavam a gente para menos. Nossa morada estava tão perto do abandono que dava até para a gente pegar nele... Meu avô abastecia a solidão... Eu conversava bobagens profundas com os sapos...
Seu primeiro livro, “Poemas concebidos em pecado”, foi publicado em 1937, numa tiragem de 20 exemplares, feita por amigos. Ele tinha 21 anos.
     Publicou mais de 20 livros. 
     Na década de 60, Millor Fernandes o descobriu aos 72 anos.
     Em seu “lugar de ser inútil”, como chamava seu escritório, escreveu, a lápis, mais de 200 caderninhos com seus poemas.
Tudo que não invento é verdade.
Em minha poesia, 90% é invenção e 10% é mentira.
     Drummond abdicou do epíteto de “maior poeta do Brasil” em favor de Manoel de Barros.
     Ele era, como versos que escreveu, um “Abridor de amanhecer”. Ou um “Esticador de horizontes”.  
     Morreu em 2014, aos 97 anos, tido por muitos como o “Guimarães Rosa da poesia brasileira”. Ambos usam a palavra “entortada”. Mas, Barros não gostava que colocassem data em sua existência.
     Sua alma já havia sido desbotada pela perda de dois filhos - Pedro morreu em 2013. João de Barros, de quem Manoel “copiou” versos na infância, faleceu, em decorrência de um acidente aéreo em 2007. Ele teve outra filha, Martha, que ilustrava seus poemas, embora considerasse isso “impossível”.
Poesia é a infância da língua... Meus desenhos verbais nada significam. Sobre o nada eu tenho profundidades.
A poesia se dirige à sensibilidade. Quero dar encantamento, mais nada.
Quero a coisificação dos humanos e a humanização das coisas.
A poesia se apaixona por mim.
     Ele dizia, em entrevistas, que era preciso despir o mundo literário de sua pompa, de sua grandeza, muitas vezes falsa. 
     Perguntado se gostaria de pertencer à Academia Brasileira de Letras, respondeu que não, “para não perder minha irresponsabilidade”.
     No entanto, em 2013, a Academia Sul-Mato-Grossense o considerou como Acadêmico Honorário, tornando-o imortal. Nem precisaria. 
     Ele teve um lastro intelectual muito forte, sofisticado, erudito, ao contrário do que muitos imaginam. Estudou e fez parte tanto de movimentos literários como políticos, conheceu parte do mundo, viveu na Bolívia, no Peru, França, Itália e Portugal e em Nova York, onde fez um curso de cinema e pintura no Museu de Arte Moderna. Leu muito: Garcia Lorca, T. S. Eliot, Ezra Pound e Stephen Spender, entre outros.
     Graduou-se em Direito, no Rio de Janeiro. Não era o seu mundo. Em sua primeira audiência pública, vomitou sobre o processo.
     Sobre entrevistas, era extremamente tímido e avesso. Uma vez, em uma emissora de rádio...
      Tentou, durante alguns anos, ser corretor de imóveis. A melhor coisa que lhe aconteceu foi, ao tentar vender um apartamento, conhecer a mineira Stella, com quem se casou em 1947. Foi sua companheira por toda a vida. 
     Voltou ao seu mundo – seu quintal no Pantanal – em sua fazenda, em Corumbá. Sua biografia vai do complexo ao singelo.
“A poética do abandono sem explicações é a maior contribuição de Manoel de Barros à poesia brasileira”. (Sérgio Medeiros, poeta e ensaísta)
     Um poeta que conversava com os sapos, pregos enferrujados ou com o firmamento. A conservar o encantamento que há na infância e na linguagem. Um poeta que buscava o criançamento das palavras. A sua magia. O seu sonho.
“...há um truque de construção imposto por um estilo do qual o poeta não consegue se livrar...” (Miguel Sanches, escritor, reitor da UEPG)
     É verdade. E quem disse que ele quis em algum momento se livrar?
     Ao contrário – o estilo era seu personagem principal, de mãos dadas com outros condimentos: natureza e pessoas. 
    “Eu sou muitas pessoas destroçadas”.
     Era a linguagem como personagem, como tanto buscou Wilson Bueno.
     Repetir é um dom do estilo.
Poesia é para descobrir.
     Barros inventava. Inventava e redescobria palavras e construções léxicas para transformá-las em poesia. Ele é de uma riqueza inesgotável em metáforas, neologismos, imagens e figuras literárias em geral. Ele descontrói as imagens, em linguagem absolutamente inovadora.
O esplendor da manhã não se abre com faca.
     Ele não precisava assinar seus textos. Gastaria papel. Era como o nosso Poty com sua arte.
“Na direção em que se constrói ou se encarta, a poesia de Manoel de Barros tem a máxima perfeição na poesia de Manoel de Barros”. (Antônio Houaiss, crítico literário e filólogo)
     O ritmo de Manoel de Barros é musical, a arte se inventa e vive nele em permanente estado de poesia.
“A poesia de Manoel de Barros pede silêncio e paciência. Depois de seu livro “O guardador de águas”, de 1989, ele parece não ter percebido que toda sua poética é realmente uma espécie de variação sobre si mesma, uma tautologia de elementos e de estruturas até a exaustão. Mas talvez seja preciso perceber também que a ideia de toda sua poesia é uma repetição. Como as variantes jazzísticas: base melódica e improvisações sobre esta base”. (Manoel Ricardo de Lima, poeta e professor de Literatura da Universidade Federal do Rio de Janeiro)
“Manoel de Barros, figura singular e plural, é um dos maiores poetas brasileiros...” (Ênio Silveira, editor, dirigiu por muitos anos a Editora Civilização Brasileira)
     Toda sua obra é de uma vastidão humana impressionante. Pode sim ser comparada àquela que Guimarães Rosa nos legou.
     Ele, sobre os poetas:
O poeta não é obrigatoriamente um intelectual; mas é necessariamente um sensual.
Vi um lagarto lamber as pernas da manhã.
     Ele queria dar valor às coisas tidas aparentemente como inúteis. E nisso criava a imagem riqueza de sua obra:
O rio que fazia uma volta atrás de nossa casa
era a imagem de um vidro mole ...
Passou um homem e disse:
Se chama enseada...
Não era mais a imagem de uma cobra de vidro
Que fazia a volta atrás da casa.
Era agora uma enseada.
Acho que o nome empobreceu a imagem. 
     Ou, como dizia, entre outras coisas (ou poemas):
“para apalpar as intimidades do mundo é preciso saber:
Que o esplendor da manhã não se abre com faca
O modo como as violetas preparam o dia para morrer
Por que é que as borboletas de tarjas vermelhas têm devoção por túmulos
Se o homem que toca de tarde sua existência num fagote, tem salvação
Que um rio que flui entre dois jacintos carrega mais ternura que um rio que flui entre dois lagartos
Como pegar na voz de um peixe
Qual o lado da noite que umedece primeiro
Termino com o poema “O menino que carregava água na peneira”, que está em “Livros Infantis”. Poema que, além de beleza singular, o define como pessoa e poeta. 



* Jornalista e escritor, nascido em Presidente Bernardes (SP). Membro da Academia Paranaense de Letras desde 2014, ocupante da Cadeira 28 e sucessor de Helena Kolody e Belmiro Valverde. Atualmente, é diretor-tesoureiro e diretor de comunicação da APL. Graduado em Letras e Literatura Francesa pela Universidade Estadual de Londrina, trabalhou em inúmeros veículos estaduais e nacionais de comunicação. Tem 14 livros publicados: Simples (poesia), três de crônicas: “Curitiba vista por um pé vermelho”, “Pequena Casa de Jornal” e “As cidades e seus cúmplices”, um romance, “Mugido de Trem”, e o mais recente, “Nem tão Simples” (poesia), foi lançado neste ano.Distinções: Paraninfo de Comunicação Social, Universidade Estadual de Londrina (1981); Cidadão Honorário de Londrina (1999); Cidadão Honorário de Curitiba (2000); Cidadão Honorário do Paraná (2012), Comendador da Ordem do Pinheiro do Paraná (2015) e Título do Mérito Guarucaia, em Presidente Bernardes (SP) (2018)oi Membro do Conselho de Cultura do Estado do Paraná (1982 a 84), Membro Fundador e atual Membro Honorário da Academia de Letras, Ciências e Artes de Londrina (cadeira nº 27).

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Estamos reproduzindo as mensagens recebidas durante a reunião, sob a forma de chats:

From M.Gloria to Everyone: bom dia para todos. Bom dia Nilson e Cleusa 
From Mimi to Everyone: Bom dia, queridos amigos !
From Danusa Almeida to Everyone: Bom dia. Sou Danusa Almeida. Presidente da União Brasileira de Trovadores da Seção Campos dos Goytacazes-RJ.
From Maryune Zenti to Everyone: Bom dia!
From Rossana Spoladore to Everyone: bom dia!
From Andréa Motta to Everyone: Bom dia a todos
From Giuseppe Caonetto to Everyone: Bom dia. A ALAP (Paranavaí) presente, na pessoa de Giuseppe Caonetto. 
From Giuseppe Caonetto to Everyone: Vou deixar aqui um dos textos do Manoel de Barros que, a meu ver, diz muito sobre toda sua obra:
PALAVRAS
Veio me dizer que eu desestruturo a linguagem. Eu desestruturo a linguagem? Vejamos: eu estou bem sentado num lugar. Vem uma palavra e tira o lugar de debaixo de mim. Tira o lugar em que eu estava sentado. Eu não fazia nada para que a palavra me desalojasse daquele lugar. E eu nem atrapalhava a passagem de ninguém. Ao retirar de debaixo de mim o lugar, eu desaprumei. Ali só havia um grilo com sua flauta de couro. O grilo feridava o silêncio. Os moradores do lugar se queixavam do grilo. Veio uma palavra e retirou o grilo da flauta. Agora eu pergunto: quem desestruturou a linguagem? Fui eu ou foram as palavras? E o lugar que retiraram de debaixo de mim? Não era para terem retirado a mim do lugar? Foram as palavras pois que desestruturaram a linguagem. E não eu.
From Lucrecia Welter to Everyone: ALT e ALCA presentes, na pessoa da acadêmica Lucrecia Welter Ribeiro
From Maryune Zenti to Everyone: alguém conhece algum projeto em Londrina que envolva Direito e Arte?
From Andréa Motta to Everyone: União Brasileira de Trovadores - Seções Paraná e Curitiba, na pessoa de sua presidente - Andréa Motta
From Maria Inês Botelho to Everyone: Sou a acadêmica Maria Inês Botelho, membro da Academia de Letras, Artes e Ciências Centro-Norte do Paraná/sede em Apucarana e também de muitas outras academias e instituições análogas. Parabéns pela realização desta reunião com destaques muito interessantes. Feliz Natal! e Feliz Ano Novo! Que se supere esta situação atual na área da saúde. Que esta pandemia COVID-19 logo vá embora. Abraço acadêmica e amigo. Agradeço, imensamente, o convite enviado. Que possamos nos encontrar em 2021 de forma presencial.
From Etel Frota to Everyone: Muitos aplausos ao discurso do Dr. Sergio Alves Gomes! Verdadeiro alento!
From Lucrecia Welter to Everyone: Parabéns, Dr. Sergio Gomes!
From Adriano Alves Fiore to Everyone: Bom-dia a todo mundo
From Saulo to Everyone: Bom dia. Saulo de Tarso Pereira ACCUR - Curitiba.  
Parabéns ao Dr. Sergio. Reflexões obrigatórias pelo que estamos todos passando no mundo e, em especial em nosso País.
From Neusi Berbel to Everyone: Obrigada, Dr. Sergio, por suas palavras!
From Neusi Berbel to Everyone: Gustavo Gorla!!!!  Maravilha de composições!!!!  Parabéns! Obrigada!!!!
From Marco to Everyone: O Gustavo é maravilhosos!!
From Maryune Zenti to Everyone: Que evento legal! reflexões interessantes e Boa musica! 
From Lucrecia Welter to Everyone: Lindas músicas! Parabéns ao Gusavo!
From Mimi to Everyone: Falando em "nascimento", quero desejar que o nascimento de Jesus, que celebramos neste mês, tenha um significado especial para todos nós !
From Maryune Zenti to Everyone: 🙏
From Renata Regis Florisbelo to Everyone: Aguardando a palestra do amigo Nilson Monteiro. Parabéns à Academia de Letras, Ciências e Artes de Londrina pela iniciativa.
From User to Everyone: Será bom ouvir Nilson falando sobre Manoel de Barros!! 
From Luiz Fernando Cheres to Everyon :Aguardando suas palavras, amigo Nilson!
From Rossana Spoladore to Everyone: Nilson querido! Prazer enorme estar participando com você nesse momento lindo!
From Lucrecia Welter to Everyone: Viu Nilson, vc conseguiu trazer 50 pessoas a esse momento lindo de sua fala! Parabéns desde já, meu querido!
From User to Everyone: Nilson, sua emoção nos toma o coração!!
From Saulo to Everyone: Parabéns Dra. Dinaura. Muito profunda e atual suas reflexões sobre o trabalho e a dignidade humana e, a educação de qualidade. O Brasil em particular está mergulhado no mais profundo obscurantismo, negacionismo científico, pluralismo e, a a democracia na sua plenitude. 
From Lucrecia Welter to Everyone: Não há como não se emocionar ao ouvir falar da poesia de Manoel de Barros.  
From Jonas to Everyone: quem desejar poderá acompanhar o trabalho do Gustavo Gorla nas redes sociais, principalmente no youtube, Facebook e twitter. 
From Saulo to Everyone: As novas gerações terão um desafio gigantesco em proporcionar dignidade humana, trabalho e renda. Suas reflexões nos trazem a realidade dura e crua da vida de hoje.
From Jonas to Everyone: @gustavo.gorla no instagram
From Giuseppe Caonetto to Everyone: Grande Nilson. Sua emoção diz muito sobre poesia.
From Lucrecia Welter to Everyone: Nilson, querido, valem as lágrimas diante de tanta poesia! Viva Manoel de Barros! Viva Nilson Monteiro! Muitíssimo linda a sua palestra, estou engasgada de admiração.
From Danusa Almeida to Everyone:  Nossa... um sorteio! Adorei. Tomara que eu ganhe e seja um que eu não tenha, mas se for um que eu já tenha será também muita felicidade para mim...
From Maryune Zenti to Everyone: Pergunta para o Nilson: pode-se conhecer a verdade através da poesia?
From marco to Everyone: Nilson, meu amigo/irmão é muito bom ouvir, um poetaço falando de outro grande! Nos conduz pelas trilhas magicas!
From User to Everyone: Nilson, você fala com o coração, meu amigo!!
From Giuseppe Caonetto to Everyone: Nilson de Barros, você é fera.
From Neusi Berbel to Everyone: Nilson, que delícia te ouvir e a poesia de Manoel de Barros, através de você!!!
From Luci Collin to Everyone: PARABÉNS, Nilson! Muito importante falar do Manoel!!!!
From Julio Bahr to Everyone: Creio ter feito a melhor escolha para encerrarmos este ano: trazer o grande Nilson Monteiro para nos presentear com esta palestra e sua emoção
From Etel Frota to Everyone: A ciência pode classificar e nomear os órgãos de um sabiá / mas não pode medir seus encantos. / A ciência não pode calcular quantos cavalos de força / existem / nos encantos de um sabiá. / Quem acumula muita informação perde o condão de / adivinhar: divinare. / Os sabiás divinam.
From Danusa Almeida to Everyone: Parabéns!👏👏👏⚘
From iPhone Zélia to Everyone: Parabéns! muito lindo o Manoel de Barros! muita emoção 👏🏼👏🏼👏🏼👏🏼!
From Etel Frota to Everyone:É também dos meus favoritos, Caonetto!
From Maryune Zenti to Everyone: O mundo  perdeu a sensibilidade porque perdeu o senso poético? A poesia habita nas almas simples assim como nas almas aprofundadas no estudo acadêmico?
From Mimi to Everyone:  Que beleza de palestra ! Cheia de emoção e de verdade, fazendo crescer nossa admiração por Manoel de Barros ! Parabéns, Nilson ! Obrigada !
From Etel Frota to Everyone: Aos amantes de Manoel de 
Barros, mais um pouco da sua poesia, inclusive na sua própria voz: https://www.mixcloud.com/Poemoda/manoel-de-barros/
Muito lindo, querido Nilson
From Cleusa Antonia to Everyone: Nós somos a natureza... Privilégio do Manoel perceber isso e escrever sobre isto de forma tão maravilhosa... 
From Lucrecia Welter to Everyone: Parabéns a todos que se apresentaram, que colocaram com tanto carinho em suas palavras, todos foram maravilhosos e gigantes nesta oportunidade! Parabéns cara presidente Ludmila!
From Giuseppe Caonetto to Everyone: Ouvir o Nilson falar de Manoel de Barros nos abre a quatro amores: Deus, Manoel de Barros, a poesia e o próprio Nilson.
From Adriano Alves Fiore to Everyone: Um Feliz Natal a todo mundo
From Danusa Almeida to Everyone: E o sorteio!!!
From Aline Caldas to Everyone: Lindo encontro! emocionante
From Lucrecia Welter to Everyone: Em nome da ALT e da ALCA, um Feliz Natal e excelente 2021 a todos, em especial aos poetas!
From Rossana Spoladore to Everyone: Parabéns, Nilson! excelente
From Lucrecia Welter to Everyone: Tudo foi maravilhoso neste domingo lindo!
From Etel Frota to Everyone: Pessoal, abro mão de participar do sorteio, por já ter O Livro das Ignorãças
From Maryune Zenti to Everyone: Obrigada! Feliz Natal!
From Danusa Almeida to Everyone: Feliz Natal e ótimo 2021 com muita saúde  para todos!
From Rossana Spoladore to Everyone: Gratidão pelo convite! Foi fantástico participar  novamente de uma reunião da Academia, mais de três décadas depois...