Dando continuidade à apresentação de trabalhos realizados por nossos Acadêmicos, veja abaixo a biografia de Assis Chateaubriand, escrita pelo Acadêmico Edilson Elias, aquarela criada pela Acadêmica Neusi Berbel, crônica do Acadêmico Julio Ernesto Bahr e pintura em acrílico da Acadêmica Saide Maruch.
Esta é uma contribuição cultural da Academia de Letras, Ciências e Artes de Londrina para a comunidade londrinense e para os leitores deste site, enquanto não forem possíveis as realizações das reuniões presenciais como resultado do isolamento proposto para evitar o Corona Vírus.

Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Mello, mago da comunicação brasileira


Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Mello, mais conhecido como Assis Chateaubriand ou Chatô (Umbuzeiro, 4 de outubro de 1892), foi um jornalista, empresário, político e destacou-se como um dos homens públicos mais influentes do Brasil nas décadas de 1940 e 1960. Foi também advogado, professor de direito, escritor e membro da Academia Brasileira de Letras.
Quem aqui não ouviu expressão em fazer nas coxas?
Na Bahia e região era comum moldar telhas de barro nas coxas, por facilitar o contorno e, consequentemente fazer a cobertura. Acredito que muitos dos presentes tenham conhecimento dessa frase. Mas, Assis Chateaubriand não tinha seu tempo ocioso de modo algum. Seus artigos eram contundentes quer enaltecendo o cliente ou destilando seu veneno, quando agredira suas vítimas, pois era detentor de uma pena ácida e convencia com o seu alto poder de persuasão, o fazia “nas coxas”, quer dizer no colo, no próprio avião quando viajava. Chateaubriand foi um magnata das comunicações no Brasil entre o final dos anos 1930 e início dos anos 1960, dono dos Diários Associados, que foi o maior conglomerado de mídia da América Latina, que em seu auge contou com mais de cem jornais, emissoras de rádio e TV, revistas e agência telegráfica.  Também é conhecido como o co-criador e fundador, em 1947, do Museu de Arte de São Paulo (MASP), junto com Pietro Maria Bardi, e ainda como o responsável pela chegada da televisão ao Brasil, inaugurando em 1950 a primeira emissora de TV do país, a TV Tupi. Foi Senador da República entre 1952 e 1957.
A título de elucidação, com informação de nosso confrade Júlio Ernesto Bahr, em 1950, na sede dos Diários Associados à Rua Sete de Abril, iniciou a primeira transmissão de televisão da América Latina, a PRF3 TV Tupi, em preto e branco, precariamente, com aparelhos expostos no saguão do seu edifício. Foi também Chateaubriand o patrono, fundador da Escola de Propaganda de São Paulo (hoje a ESPM), cedendo um conjunto no mesmo prédio dos Diários. Bahr lembrou que pertenceu à turma de 1958 da Escola de Propaganda e, vez por outra cruzava com Chateaubriand, já numa cadeira de rodas.
 Chateaubriand era uma figura polêmica e controversa, odiado e temido, chegou a ser chamado de Cidadão Kane brasileiro, e acusado de falta de ética por chantagear empresas que não anunciavam em seus veículos e por insultar empresários com mentiras, como o industrial Francisco Matarazzo Jr. Seu império teria sido construído com base em interesses e compromissos políticos, incluindo uma proximidade tumultuada, porém rentável com o Presidente Getúlio Vargas.
Foi um dos primeiros a usar a vulgata maquiavélica para se referir à habilidade política de Vargas.
Carreira
Nasceu na Paraíba e formou-se pela Faculdade de Direito do Recife. A estreia no jornalismo aconteceu aos quinze anos, na Gazeta do Norte, escrevendo para o Jornal Pequeno e para o veterano Diário de Pernambuco. Apenas a título de informação, o Diário de Pernambuco é o mais antigo da América Latina, com a mesma linha editorial. Neste matutino, enfrentou uma situação inusitada: teve que dormir na redação do jornal, chegando a pegar em armas, para se defender da multidão que se empoleirava em frente do jornal em protesto contra a vitória do candidato Francisco de Assis Rosa e Silva (proprietário do diário). Em 1917, já no Rio de Janeiro, colaborou para o Correio da Manhã, em cujas páginas publicariam impressões da viagem à Europa que realizou em 1920.
Em 1924, assumiu a direção d’O Jornal – denominado “órgão líder dos Diários Associados” – e, no mesmo ano, consegue comprá-lo graças a recursos financeiros fornecidos por alguns “barões do café” liderados por Carlos Leôncio de Magalhães (Nhonhô Magalhães), e por Percival Farquhar, de quem Chateaubriand, alegadamente, teria recebido honorários advocatícios. Substituiu artigos monótonos por reportagens instigantes e deu certo. A partir de então, começou a constituir um império jornalístico, ao qual foi agregando importantes jornais, como o Diário de Pernambuco, o jornal diário mais antigo da América Latina, e o Jornal do Commercio, o mais antigo do Rio de Janeiro. No ano seguinte, Chatô arrebatou o Diário da Noite, de São Paulo. À altura, já possuía os jornais líderes de mercado das principais capitais brasileiras.
A ascensão do império jornalístico de Assis Chateaubriand deve ser entendida no quadro das transformações políticas do Brasil durante as décadas de 1920 e 1930, quando o consenso político oligárquico e fechado da República Velha, centrado em torno da elite agrária de São Paulo, começou a ser contestado por elites burguesas emergentes da periferia do país; não é uma coincidência que Chateaubriand tenha apoiado o movimento revolucionário de 1930, que levou Getúlio Vargas ao poder, assim como, durante toda sua vida, tenha ‘fanfarroneado’ a condição de provinciano que chegou ao centro do poder como uma espécie de bucaneiro político. A ética quase nunca constava da estratégia empresarial: chantageava as empresas que não anunciassem em seus veículos, publicava poesias dos maiores anunciantes nos diários e mentia descaradamente para agredir os inimigos. Farto de ver o nome na lista de insultos, o industrial Francisco Matarazzo ameaçou “resolver a questão à moda napolitana: pé no peito e navalha na garganta”. Chateaubriand devolveu: “Responderei com métodos paraibanos, usando a peixeira para cortar mais embaixo”. Foi também inimigo declarado de Rui Barbosa e de Rubem Braga. Apesar disso, Chatô teve relações cordiais (e sempre movidas a interesses econômicos) com muitas pessoas influentes: Francisco Matarazzo, Rodrigues Alves, Alexander Mackenzie (presidente do poderoso truste canadense de utilidades públicas São Paulo Tramway, Light and Power Company), o empresário americano Percival Farquhar (Farcuer) e Getúlio Vargas.
Durante o Estado Novo, consegue de Getúlio Vargas a promulgação de um decreto que lhe dá direito à guarda de uma filha, após a separação da mulher. Nesse episódio, profere uma frase célebre: “Se a lei é contra mim, vamos ter que mudar a lei”. Em 1952, é eleito senador pela Paraíba e, em 1955, pelo Maranhão, em duas eleições escandalosamente fraudulentas.
Caracterizou-se, muito embora fosse um representante típico da burguesia nacional emergente da época, pelas posturas pró-capital estrangeiro e pró-imperialismo, primeiro o britânico, depois o americano: além de muito ligado aos interesses da City londrina (a escandalosa embaixada na Inglaterra, na década de 1950, foi a realização de um velho sonho pessoal), conta a anedota que ele teria uma vez dito que o Brasil, perante os EUA, estava na condição de uma “mulata sestrosa” que tinha de aceder às vontades dos seu gigolô. Era temido pelas campanhas jornalísticas que movia, como a em defesa do capital estrangeiro e contra a criação da Petrobrás.
Publicou mais de 11870 artigos assinados nos jornais, dando oportunidades a escritores e artistas desconhecidos que depois virariam grandes nomes da literatura, do jornalismo e da pintura, como: Graça Aranha, Millôr Fernandes, Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Cândido Portinari e outros.
Presidiu, entre 1941 e 1943, a Federação Nacional da Imprensa (FENAI - FAIBRA).
Com o tempo, Chateaubriand foi dando menos importância aos jornais e focando em novas empreitadas, como o rádio e a televisão.
Com o suicídio de Getúlio Vargas, assume a cadeira 37 da Academia Brasileira de Letras.
Em fevereiro de 1960 Assis Chateaubriand foi acometido de uma trombose. Morreu em 4 de abril de 1968, em São Paulo, depois da pertinaz doença, a que ele resistiu por longos anos, continuando, mesmo paraplégico e impossibilitado de falar, a escrever seus artigos. Foi velado ao lado de duas pinturas dos grandes mestres: um cardeal de Ticiano e um nu de Renoir, simbolizando, segundo seu protegido, o arquiteto italiano e organizador do acervo do MASP Pietro Maria Bardi, as três coisas que mais amou na vida: O poder, a arte e a mulher pelada. Seu cortejo fúnebre reuniu mais de 60 mil pessoas pelas ruas de São Paulo. Está sepultado no Cemitério do Araçá. Mais detalhes serão mencionados quando do convite para mencionar a respeito do Mago da Comunicação do Brasil em reunião na nossa Academia de Letras de Londrina.




Acadêmico Edilson Elias
Jornalista e Historiador

Imagem em Aquarela Hiperrrealista

Um anfíbio verde nas dobras de uma folha verde

Sobre a técnica utilizada:
A técnica da aquarela constitui uma mistura de pigmento e água sobre o papel.
Na pintura hiperrealista, utiliza-se a fotografia como referência.
O hiperrealismo busca a captação da realidade em seus detalhes, a partir de modelos em movimento ou estáticos. 


Acadêmica Neusi Berbel
Professora e artista plástica

Lá da minha janela


Lá da minha janela...

Eu avistava a torre de microondas instalada na Av. Madre Leônia.
Eu avistava o céu azul e as nuvens formando as mesmas figuras que povoavam meus sonhos de infância.
Eu avistava as revoadas barulhentas de passarinhos no comecinho da manhã e ao pôr do sol.
Eu avistava os descampados verde-claros e as árvores que os pintavam de verde escuro.
Eu avistava os morros e montanhas que delimitavam o infinito.
De repente, assim do nada, quase de frente para a janela começaram a erguer duas torres de mais de vinte andares.
Logo depois, o ruído de máquinas denunciava a preparação de mais um terreno pronto para receber outros dois espigões.
E mais um. E outro. E outro mais.
Simultaneamente, surgiram irritantes ruídos de marteladas, guindastes, caminhões, máquinas, roldanas, carga e descarga.
Agora, da vista pela janela, só restarão lembranças. Estou cercado de torres, espigões e gente por todos os lados.
As construtoras chamam isso de progresso.
A Prefeitura chama isso de aumento de arrecadação.
Os jornais chamam isso de valorização da região.
Os publicitários chamam isso de oportunidade para faturamento.
O Estado chama isso de redução do desemprego.
A União chama isso de aumento de moradias.
Eu mesmo ainda não sei como chamar.



Julio Ernesto Bahr
Crônica apresentada em 2012 na
Academia de Letras de Londrina, 
quando se iniciou o "boom" 
de construções na região 
da Gleba Palhano, Londrina

Pintura da Acadêmica Saide Maruch

"Carnaval em Veneza"
Pintura em acrílico
Tela de 1,00 X 0,80 m

Acadêmica Saide Maruch é artista plástica e leciona artes há mais de 50 anos em seu ateliê. Elaborou capas de livros e participou de exposições, inclusive internacionais. Recebeu várias premiações.

Para a pintura acima, a falecida Acadêmica Maria Aparecida Frigeri criou a seguinte poesia:

CARNAVAL...

Período de festas profanas,
onde as máscaras, silenciosas e ricas,
são lições perenes...
Elas propiciam a felicidade
e o dom de se acercar de alguém,
sem a face da Verdade...

A linguagem das máscaras,
muitas vezes incógnita,
é sempre capaz, na sua
quase total imobilidade,
de interpor-se com os anseios
e projetos internos do Ser...

O mascarado guarda segredos
e transpõe os limites da sua racionalidade.
Máscaras!
Silenciam a personalidade
dando vazão à fantasia
silenciosa, forte e sem medos!...

As máscaras escondem sábios mistérios
do Ser e cuidam de fantasiar
a personificação da beleza,
ou do terror egoificado.

No famoso Carnaval de Veneza
as máscaras falam
de Zeus, o reino do Espírito,
Planetas e Galáxias, 
e, ainda, pelo do Livro do Homem,
dos desígnios do Ser.

Cultura em nosso site

A Academia de Letras, Ciências e Artes de Londrina, cujas atividades presenciais estão suspensas devido ao surto do novo Corona Vírus, inicia aqui a publicação de obras dos nossos Acadêmicos (poesias, crônicas, contos, artigos, produção jurídica, filosófica e científica, além de reproduções de obras artísticas), cumprindo nosso propósito maior, isto é, divulgar cultura.
Esperamos que possamos contribuir cada vez mais com a comunidade londrinense, com o Paraná e com todos aqueles que se interessam por cultura. 
A primeira publicação não poderia deixar de ser especial: um artigo homenageando as mulheres no seu Mês Internacional, preparado por Ludmila Kloczak e Clodomiro Bannwart Jr, respectivamente Presidente e Vice Presidente das Academia de Letras, Ciências e Artes de Londrina - artigo que foi também publicado na Folha de Londrina em 23/03/2020.


Março, mês internacional da Mulheres

“São as águas de março fechando o verão. É a promessa de vida no teu coração”. Com as palavras de Tom Jobim, recordamos que março, além de encerrar o verão, é também o mês dedicado às mulheres, período para comemorar as conquistas que alcançaram, sobretudo em matéria de direitos, diante de uma realidade quase sempre desfavorável a elas. O momento é igualmente oportuno para refletir as alarmantes estatísticas de agressões e de violências que pesam contra as mulheres, nossas mães, avós, esposas e filhas. 
Há pessoas que fazem do respeito uma relação harmoniosa para com os outros; há, no entanto, aquelas que sequer sabem o significado de uma convivência saudável. Alguns afirmam que nós, homens e mulheres, somos iguais. Não somos. Ainda bem! Seria um tédio! Somos diferentes! E essa diferença intriga-nos mutuamente. Obriga-nos a conviver com aquilo que há de estranho no outro. Somos, sim, um estranho ao outro. Uma possível aproximação advém da tentativa de homogeneizar o outro, reduzindo-o à nossa semelhança. Tarefa impossível de realizar. E tudo aquilo que perturba ou incomoda, quase sempre há o desejo de submeter ou eliminar. Para o homem é mais fácil usar da violência física para atingir este intento. Esse é um ponto desfavorável a mulher, muitas vezes, amedrontada na sua fragilidade física. A cada episódio de violência contra as mulheres, sempre primitivo e selvagem, deparamos com a renúncia de nossa dignidade humana.
Uma maneira de avaliar o grau de desenvolvimento civilizatório de uma nação ou de uma cultura é considerar o modo como as mulheres e as crianças são tratadas. Um retrato triste, porém, foi obtido no nosso quintal. Londrina ocupou recentemente o noticiário ao estampar o ranking de ser uma das cidades mais violentas do Estado no quesito agressão à mulher. Nos dois primeiros meses de 2020 foram registrados a abertura de mais de 450 inquéritos e de 120 pedidos de medidas protetivas na Delegacia da Mulher de nossa cidade. No mês internacional da mulher, infelizmente, temos pouco a comemorar.
Se a dimensão agressiva é um recurso que está em nós e é necessária para a nossa sobrevivência, não podemos desconsiderar que a consciência e o conhecimento deste poder, tanto do seu potencial destrutivo quanto das suas infinitas possibilidades construtivas, é um trabalho permanente e uma conquista diária. Ao modular a força que nos move para a conquista do nosso lugar no mundo, devemos criar condições para o surgimento de relações humanas que reafirmem a dignidade que deve reger a nossa convivência. A contenção de nossa agressividade deve permitir o convívio tolerante, pacífico e, sobretudo, de respeito ao outro.
Não podemos deixar de dar atenção ao universo feminino que nos cerca. Não devemos nos curvar diante da estupidez conscienciosa e despótica que agride as mulheres, psicológica e fisicamente. Esmagamos nossa humanidade todas as vezes que uma mulher é ferida, machucada, humilhada, maltratada e marginalizada. Sempre precisamos nos perguntar o que acontece com os homens que se desumanizam ao coisificar a mulher?  
Mais do que palavras, precisamos firmar posições, com ações e atitudes, que alberguem as mulheres no espaço comum do respeito, do reconhecimento e, acima de tudo, daquele sentimento benfazejo que iguala a todos nós – homens e mulheres – na mesma frequência: o amor. O amor, esse aconchego percebido na alma, é o lócus em que a admiração pelo outro transmuta-se em afeto e eleva a todos nós em estatura, grandeza e dignidade. 
É preciso buscar, todos os dias, a realização plena dos propósitos que marcam a celebração do mês internacional das mulheres. Que a promessa de ter vida no coração, expressa na canção de Tom Jobim, torne-se realidade na vida de todas as mulheres.


Ludmila Kloczak e Clodomiro Bannwart, Presidente e Vice-Presidente da Academia de Letras, Ciências e Artes de Londrina

Extratos da reunião de 08/03/2020

Mesa diretora, com nossa presidente Ludmila Kloczak ladeada pelo palestrante Dr. José Ricardo Alvarez Vianna (à esquerda) e nosso Vice-Presidente, Clodomiro Bannwart Jr.

Nosso Mestre de Cerimônias, Jonas Rodrigues de Matos, mais uma vez conduziu os trabalhos

 O Credo Acadêmico foi lido pela nossa Acadêmica Dinaura G. P. Gomes

A presidente Ludmila Kloczak apresentou texto preparado conjuntamente com nosso Vice-Presidente Clodomiro Bannwart Jr.

Bom dia!
Gostaria de dar as boas-vindas a todos os acadêmicos e acadêmicas, visitantes, amigos e amigas apreciadores da cultura, das artes e das letras. 
Como os senhores e senhoras já entenderam, solicito a alguém que elabore um texto que expresse o pensamento desta diretoria que faz um trabalho compartilhado. Desta vez, Clodomiro lançou os fios e as sementes. Tomei-os em minhas mãos e saí a caminhar e a criar canteiros. O resultado é o que deveria vir do encontro e do trabalho entre pessoas e, em particular, entre homens e mulheres: uma trama a quatro mãos em que não se sabe o que é de quem, num trabalho integrado e uníssono.
Hoje, 08 de março, é um dia especial e não podemos deixar de mencionar o que esta data representa e qual a sua real importância a todas as mulheres, sobretudo as que estão presentes nesta reunião.
Desde 1975, ficou instituído pelas Nações Unidas o 08 de março como dia internacional da Mulher. É uma data para comemorar as conquistas obtidas pelas mulheres, sobretudo em matéria de direitos, diante de uma realidade quase sempre desfavorável a elas.
Há alguns anos, recebi flores de uma amiga nesse dia. Ela me disse que todos os anos, nesta data, escolhia uma mulher que tinha algum significado para ela e lhe oferecia flores. Surpreendi-me com o gesto. Confesso que não o imitei. Mas, considerei que este gesto seria uma espécie de metáfora das relações humanas. Enquanto seres que se admiram e se respeitam, buscam a harmonia, há outros seres que não sabem o significado da convivência com o outro. Dizem que nós, homens e mulheres, somos iguais. Não somos. Ainda bem! Seria um tédio! Somos diferentes! E essa diferença nos intriga mutuamente. Obriga a conviver com o que é estranho no outro. Há algo da nossa identidade mais profunda que palavra alguma alcança. Para sempre somos estranhos ao outro. Um dos meios possíveis de nos aproximarmos do outro é através da tentativa de homogeneizá-lo, explica-lo à nossa imagem e semelhança. Tarefa impossível de realizar! Aquilo que nos perturba, que nos incomoda, desejamos submeter ou eliminar. Ao homem é muito mais fácil usar da violência física para atingir este intento. Esta é uma diferença que nos é desfavorável. Que nos amedronta. Deste confronto, a cada episódio de violência, sempre primitivo, sempre selvagem, nos deparamos com a desumanização, com a renúncia à dignidade humana. 
Considero que uma maneira de avaliar o grau de desenvolvimento civilizatório de uma nação, de uma cultura, é o modo como as mulheres e as crianças são tratadas. 
Um exemplo está aqui, no nosso quintal. Na semana que passou, Londrina ocupou o noticiário ao estampar o ranking, triste por sinal, de ser uma das cidades mais violentas do Estado no quesito agressão à mulher. Nos dois primeiros meses de 2020 – pasmem – foram registrados a abertura de 461 inquéritos e de 120 pedidos de medidas protetivas na Delegacia da Mulher de nossa cidade. Creio que temos, nesse sentido, pouco a comemorar. 
A agressividade é um recurso que está em nós e é necessário para a nossa sobrevivência. Entretanto, a consciência e conhecimento de seu poder tanto no seu potencial destrutivo quanto nas suas infinitas possibilidades construtivas, é um trabalho permanente, é uma conquista diária. A nossa capacidade de demonstrar amor, que é diferente da nossa capacidade potencial de amar, é muito mais difícil do que as manifestações agressivas. Paradoxalmente, devemos utilizar da nossa agressividade para defender nossos espaços de expressão de amor. Ou seja, ao modular a força que nos move para a frente, para a conquista do nosso lugar no mundo, criamos condições para o surgimento das relações humanas. Em outras palavras, reafirmamos a dignidade humana que deve reger nossa convivência. A modulação da nossa agressividade deve permitir o convívio tolerante e pacífico, de respeito ao outro. No entanto, a dificuldade de reconhecer no diferente, o nosso próximo, nos prende no medo e na insegurança despertados pelo desconhecido neste, que deveria ser o nosso mais próximo, o sujeito do nosso amor.  
Não podemos deixar de dar atenção ao universo feminino que nos cerca. Não podemos nos curvar diante de uma estupidez conscienciosa e despótica que agride as mulheres, psicológica e fisicamente. Sempre que nos deparamos com ações cotidianas que esmagam e destroem nossa humanidade todas as vezes que uma mulher é ferida, machucada, humilhada, maltratada e marginalizada, precisamos nos perguntar o que acontece com os homens que se desumanizam ao coisificar a mulher?  
Bom é saber, no entanto, que as próprias mulheres proclamam sua força e independência diante dos infortúnios que sofrem. Dentre essas biografias fortes, com expressão altissonante, não podemos deixar de registrar o clamor de Cecilia Meireles, em tom poético, ao reafirmar em sua voz intensa a altivez das mulheres.
Diz Cecilia Meireles em seu poema “Inscrição”:

Quem se deleita em tornar minha vida impossível
por todos os lados?
Certamente estás rindo de longe,
ó encoberto adversário!

Mas a minha paciência é mais firme
que todas as sanhas da sorte:
mais longa que a vida, mais clara
que a luz no horizonte.

Passeio no gume de estradas tão graves
que afligem o próprio inimigo.
A mim, que me importam espécies de instantes,
se existo infinita?

Mais do que palavras, precisamos firmar posições, com ações e atitudes, que alberguem as mulheres no espaço comum do respeito, do reconhecimento e, acima de tudo, daquele sentimento benfazejo que iguala a todos nós – homens e mulheres – na mesma frequência: o amor. O amor, esse aconchego percebido na alma, é o lócus em que a admiração pelo outro germina do coração, em que o afeto transmuta-se em deferência e eleva a todos nós em estatura, grandeza e dignidade. 
É com essa mensagem que eu desejo a todas as mulheres a realização plena dos propósitos que marcam a celebração desta data.
Muito obrigada!

DECLAMAÇÃO
A Acadêmica Leonilda Yvonneti Spina apresentou um pout-pourri de três das poesias de sua autoria, todas homenageando as mulheres em seu dia especial, (8 de Março, Dia Internacional da Mulher), acompanhada ao piano pelo Prof. Shamir Jean Giupatto

AUDIÇÃO MUSICAL
Completando nosso Momento de Arte, o Professor Shamir Jean Giupato * brindou os presentes com uma audição ao piano, com várias peças, destacando-se ao final a peça do compositor Mendelsson, “Lieder ohne Worte” (Canções sem Palavras)

*Graduado com Láurea Acadêmica em Música pela Universidade Estadual de Londrina, graduando em Administração pelo Centro Universitário de Maringá - UniCesumar, pós-graduado em pedagogia, gestão e docência pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Começou seus estudos de piano aos 6 anos de idade, tendo como professores ao longo de sua trajetória Jailton Santana, Lucy Schimiti e Lucilena Corrêa, além de orientações da pianista Eudóxia de Barros. Participou de masterclasses pela Europa, apresentando-se em Roma e Veneza. Atualmente é coordenador e professor da Escola de Música do Colégio Mãe de Deus, onde atua também como professor e regente coral. Além disso, é regente-auxiliar e pianista titular do Coral da Copel de Londrina, desde 2011.

"ALBERT CAMUS E A CIÊNCIA DO ABSURDO"
Dr. José Ricardo Alvarez Vianna *

Albert Camus transitou por várias áreas. Foi escritor, filósofo, romancista, ator e diretor de teatro, jornalista e ensaísta. Antes disso, ele também trabalhou como vendedor de peças de automóveis, auxiliar de meteorologista e em escritório de corretagem marítima.
Nasceu na Argélia, Mondovi, hoje Dréan, em 07/11/1913, período de ocupação francesa. A cidade contava com cerca de 20.000 habitantes quando Camus nasceu. Seus pais eram camponeses. O pai morreu quando Camus tinha apenas um ano. Ele cresceu em meio a privações e pobreza. 
Para realizar seus estudos secundários, contou com o apoio de um professor (Louis Germain), o qual lhe proporcionou bolsa para estudar. Adiante concluiu o curso de Filosofia na Universidade de Argel. Era apreciador das obras de Nietzsche e Schopenhauer, além dos pré-socráticos. Na literatura seus autores preferidos eram Stendhal, Herman Melville, Dostoyevsky e Kafka. 
Seu objetivo era ser professor. Porém, por conta de uma tuberculose, não conseguiu prestar o concurso à vaga.
Aos 20 anos, ingressou no Partido Comunista Francês e passou a escrever para jornais, então considerados revolucionários. Como entusiasta do teatro, fundou a Companhia L’Equipe, onde atuava como ator e diretor. Dado seu estilo combativo, teve peças censuradas, como Revolta das Astúrias.
Ele também era apaixonado pelo futebol. Chegou a jogar como goleiro na equipe júnior da Racing Universitaire d'Alger. No seu modo de ver, o futebol trazia senso de equipe, a fraternidade e propósito comum entre os companheiros. Como jogador de futebol demonstrava paixão e coragem. A tuberculose também o impediu de prosseguir no futebol.  
Camus chegou a se casar, ainda muito jovem, mesmo sem a aprovação da família. O vínculo, porém, não durou por conta de suposto adultério da esposa. Depois disso, ele não mais se casou.  
Em 1938, mudou-se para a França, onde estreitou relações com o filósofo Jean-Paul Sartre e juntos fundaram o jornal de esquerda “Combat” (1941).
Em 1957, ganhou o Prêmio Nobel de Literatura, então com 44 anos de idade.
Faleceu em 04/01/1960, vítima de acidente de automóvel em uma estrada de Villeblevin, França. Há quem suspeite de homicídio porque Camus era opositor ao regime comunista, da forma como implantado na URSS. Por essa linha de raciocínio, a KGB (serviço secreto soviético) teria alterado o sistema dos pneus, provocando um estouro quando o veículo atingia certa velocidade. 


FILÓSOFO OU ESCRITOR?
Classificar Camus como filósofo ou escritor; dramaturgo ou jornalista não é tarefa fácil diante de seus múltiplos talentos. Seja como for, apesar dele não se considerar filósofo, enfatizava: "Se você quiser filosofar, escreva romances".


OBRAS
Camus teve uma vasta produção filosófica, literária e no teatro. Abaixo a lista de seus títulos: 
Revolta nas Astúrias
O Avesso e o Direito, Ensaio
A Morte Feliz
Núpcias, Ensaios
Reflexões sobre a Guilhotina,
Diário de Viagem 
O Estrangeiro, 1942
O Mito de Sísifo, 1942, ensaio sobre o absurdo
Os Justos, Peça 
O Malentendido, 1944, Peça em três atos.
Cartas a um Amigo Alemão
A Inteligência e o Cadafalso
Calígula, peça 
A Aeste
Estado de Sítio, 
O Artista na Prisão
Atuais I, Crônicas, 1944-1948", 1950
Atuais II, Crônicas, 1948-1953
O Homem Revoltado
O Verão, Ensaio
Réquiem para uma Freira
O Exílio e o Reino
A mulher adúltera
O Renegado
Os Mudos
O Hóspede
A Pedra que brota
Cadernetas I
Cadernetas II
Cadernetas III
A posteridade do Sol, fotografias de Henriette Grindat. 
Os possessos
Resistência, Rebelião e Morte

Dentre estas, as principais são:
O Estrangeiro
A Peste
O Mito de Sísifo
A Queda
O Primeiro Homem (Romance Autobiográfico, inacabado).
A Morte Feliz 

CAMUS E A FILOSOFIA DO ABSURDO
Para entender Camus, é preciso compreender o que Heidegger quer dizer com uma vida autêntica e uma vida não autêntica. 
Vida não autêntica, segundo Heidegger, dá-se quando as pessoas levam a vida, de modo geral, absortos em projetos do quotidiano; envolvidas seus compromissos profissionais, pessoais, familiares. Preocupados com o jogo de futebol, a revisão do carro, a multa no trânsito, a reforma da casa etc. 
Vida Autêntica, por sua vez, seria aquela que nos remete às questões existenciais. Isto é muito comum quando alguém próximo morre e nos vem a pergunta: para que serve tudo isto aqui (vida)? Uma pessoa tão inteligente, tão esforçada, que fez tantas realizações em sua vida e agora tudo acaba? 
Enfim, questionamentos de ordem existencial, como: o que é a vida? Qual o sentido da vida? Há vida após a morte? Qual a lógica do universo?
Camus, sem dúvida, levava uma vida autêntica. Prova disso é sua obra, em especial a filosofia do absurdo. 
Para falar sobre um pouco – muito pouco – sobre a filosofia do absurdo, vale algumas pinceladas em dois de seus livros: O Estrangeiro e O Mito de Sísifo

1 - O Estrangeiro
Publicado em 1942, traz a história de Mersault. O livro é narrado na primeira pessoa do singular pelo personagem principal, Meursault. 
A história se inicia quando Meursault recebe um telegrama informando a morte de sua mãe. Ele vai ao sepultamento, mas não expressa abalo emocional, tanto que, ao ser questionado por seu patrão sobre a idade de sua mãe, responde: "uns 60 anos". 
No dia seguinte ao funeral, Meursault inicia um relacionamento com Marie, ocasião em que tomam banho de mar e vão ao cinema, assistir uma comédia.
Meursault leva uma vida comum. Trabalha em um escritório qualquer, tem amigos superficiais, hábitos banais; enfim, vive imerso num quotidiano sem questionamentos de ordem existencial. Ou, como ele mesmo diz: "perdera um pouco o hábito de interrogar a mim mesmo".
Em certa ocasião, por um acaso qualquer, de repente se vê envolvido em um crime na praia. O fato resulta em sua prisão e no curso do processo ele não sabe ao certo o que está ocorrendo. Afinal, não entende nada de Direito. Assim, naquele ambiente hermético é como se fosse um estranho; um "estrangeiro". Está à sorte da empatia e benevolência de seus semelhantes, os quais, por sua vez, demonstram uma postura muito mais para o individualismo do que para o solidário.
Chama a atenção, dentre várias passagens na obra, aquela em que o juiz reconhece em Meursault o próprio anticristo apenas por ambos não seguirem as mesmas convicções religiosas. Algo como, se você não segue as mesmas convicções que a minha, você deve ser banido; você está errado; você é do mal; não obstante, tais convicções sejam apenas um fragmento da realidade; apenas um ponto de vista acerca da vida; um sentido que o próprio ser humano atribuiu à vida para seguir adiante. 
Interessante, também, é a fala do jornalista, que fazia a cobertura do caso, ao se aproximar de Meursault e dizer: "sabe, tivemos que aumentar um pouco o seu caso. O verão é uma época morta para os jornais. As únicas histórias que valiam alguma coisa eram a sua e a do parricida". 
A passagem parece demonstrar as conveniências, os interesses díspares e eminentemente individuais que, por muitas vezes, permeia a vida social, sem, de fato, preocupar-se com o outro.
Como se vê, a obra é repleta de leituras nas entrelinhas. 
O Estrangeiro é um livro curto em palavras, mas denso de significados. Muito o criticam como banal e sem sentido. Parece que este é justamente seu ponto forte. A dificuldade em compreender seu significado reside em sua própria ausência de significado, assim como ocorre em relação à vida. Para Camus, a vida não tem significado. Somos nós quem lhe atribuímos o significado justamente por não compreendê-la. Nisto está a ideia de filosofia do absurdo. A vida em si é um absurdo. 
Curiosamente, para justificar suas afirmações filosóficas, Camus costumava indagar: “afinal, qual sentido faz alguém, no auge de sua vitalidade, perder a vida num acidente de carro?”. Vale lembrar que foi, exatamente, assim que ele faleceu aos 46 anos.  
Ainda nesta linha, pode-se questionar: quem é o estrangeiro? 
Para responder a esta pergunta é preciso lembrar que estrangeiro é quem não é do local. Quem está de passagem ou veio de outro lugar. Estrangeiro, por igual, sugere a sensação de estranhamento, de desconforto de inquietação, de dúvida. 
Assim, estrangeiros somos todos nós diante da vida.
Para a filosofia do absurdo – remarque-se – a vida não tem sentido algum. São as pessoas que buscam sentido nas coisas para aliviarem este sentimento de estranhamento; de angústia diante de uma vida sem sentido e que nos leva para a morte, sem sabermos ao certo qual a finalidade, o sentido da vida.  
O ser humano é um "estrangeiro" no mundo e vaga ao acaso e a sorte dos mais variados e aleatórios acontecimentos, acontecimentos estes que não compreende e não tem controle. Além disso, este mesmo ser humano ainda tem que conviver com seus semelhantes, que, por vezes, tornam a vida ainda mais difícil do que já é. 

2 - O Mito de Sísifo
O Mito de Sísifo é um ensaio filosófico. É onde basicamente Camus desenvolve, sob o formato de ensaio, da chamada Filosofia do Absurdo. O tema ainda volta a aparecer em novo ensaio: O Homem Revoltado
O Mito de Sísifo começa com a seguinte frase: “Só existe um problema filosófico realmente sério: o suicídio”. 
Aparentemente trata-se uma visão negativa; pessimista; niilista. Será?
Quem foi Sísifo?
Segundo a mitologia grega, Sísifo era o mais astuto de todos os mortais e, por algumas vezes, por tanto amar a vida, enganou os Deuses. Em razão disso, foi condenado pelos Deuses a rolar uma pedra enorme em formato de círculo até o cume de uma montanha. Ao concluir o trabalho, a pedra rolava ladeira abaixo para que Sísifo, mais uma vez, a levasse para o topo da montanha.
Mas vamos retornar à frase inicial de Camus: “Só existe um problema filosófico realmente sério: o suicídio”.
O que ele quer dizer com suicídio? E qual a relação disso com Sísifo?
Sísifo executa um trabalho rotineiro e cansativo e sem o menor sentido; trata-se de uma condenação, aliás. 
Camus, então, compara o trabalho de Sísifo com nossas vidas; com nossas rotinas diárias. Acordar pela manhã, fazer o desjejum, ir para o trabalho, almoçar, conviver com as mesmas pessoas, retornar para casa, jantar, dormir etc., num ciclo repetitivo para, ao final, morrer. Simplesmente morrer e tudo acabar. Qual o sentido disto? Por que estudar, aprender, ampliar nossos conhecimentos se o final será a morte?  
Quando tomamos consciência disso – e tomamos! –, tudo se torna um grande ponto de interrogação; angústia; medo; tristeza. Somos estrangeiros no mundo; num mundo sem sentido. Esta é a sensação do absurdo. E quando a sensação do absurdo nos toma, vem a questão: vale a pena viver ou seria melhor não viver; darmos fim à vida? Suicidar-se?
Para Camus o ser humano não é um absurdo. O Universo não é absurdo. A vida não é absurda. A vida e o Universo apenas existem; não são bons ou maus; justos ou injustos. Apenas são; apenas existem. Nós quem buscamos atribuir-lhes sentido a partir de nossos pontos de vista; de nossa biografia; de nossas crenças e valores. Queremos impor uma lógica, uma visão fundada na causa e efeito, além de harmônica que nem sempre encontra eco na realidade. Porém, mais cedo ou mais tarde, o universo não irá corresponder às nossas valorações, daí emerge a dúvida, o conflito, a angústia; o estranhamento. Para Camus, a morte é estranha para todos nós. Sim, porque, afora episódios metafísicos sob a perspectiva de alguns, ninguém retornou do reino dos mortos para explicar toda a dinâmica das coisas. Diante da morte, somos também estrangeiros. Pior: a morte é uma das poucas coisas certas em nossas vidas. Certa quanto à ocorrência, incerta quanto ao modo e tempo.
Por isso, para Camus somos estrangeiros em nós mesmos. Estranhos; não sabemos sequer quem somos e onde estamos. 
Seja como for, após discorrer sobre as várias formas de suicídio (pessoal, político e filosófico), Camus refuta-o como alternativa. 
Para Camus devemos nos inspirar em Sísifo. Para Camus, vale a pena viver. Porém, é preciso que aceitemos nossa condição humana; uma condição de absurdo; de que, de fato, pouco sabemos sobre a vida. Todavia, isso não impede que realizemos nossas tarefas com amor e dedicação; com entusiasmo e beleza. Que nossa satisfação encontre suficiência e plenitude apenas em nossas tarefas diárias, por mais rotineiras que seja, independentemente do que esteja sendo feito. 
Camus encerra o Mito de Sísifo assim: “Deixo Sísifo na base da montanha! As pessoas sempre reencontram seu fardo. Mas Sísifo ensina a felicidade superior que nega os deuses e ergue as rochas. Também ele acha que está tudo bem. Este universo, doravante sem dono, não lhe parece estéril nem fútil. Cada grão dessa pedra, cada fragmento mineral dessa montanha cheia de noite forma por si só um mundo. A própria luta para chegar ao cume basta para encher o coração de um homem. É preciso imaginar Sísifo feliz”.
Vale a pena repetir: “É preciso imaginar Sísifo feliz”. Esta é a visão de Camus para o absurdo da vida. Viver a vida; viver nosso destino; fazer o que estamos fazendo e ter a sensação de realizabilidade; de suficiência, de se bastar.  A maior resposta de Sísifo aos Deuses que lhe condenaram é encontrar a plenitude em seu castigo. 

Boris Casoy, os Garis e Sísifo 
Em 31/12/2009 para 2010, durante um telejornal, por volta das 20h00, o jornalista Boris Casoy, após ouvir mensagens de otimismo e saudações de dois garis, desejando, com euforia, votos de saúde, felicidade e prosperidade para o novo ano, sem saber que o áudio estava ativo, comentou perante os demais jornalistas do estúdio: “(...) dois lixeiros desejando felicidades (...) rsrs (...) do alto de suas vassouras (...) rsrs (...) dois lixeiros (...) rsrs (...) o mais baixo da escala do trabalho (...)”.
Para Camus, estes “dois lixeiros”, “do alto de suas vassouras”, “o mais baixo da escala do trabalho”, podem estar vivendo uma vida plena, suficiente e, na medida do possível, feliz; muito mais do que muitos jornalistas da TV. Tudo depende da forma como se carrega a pedra até o cume da montanha e deixa rolá-la abaixo, sabendo que amanhã terá de carregá-la novamente.
Logo, no início do ensaio O Mito de Sísifo, aparece uma citação de Píndaro que parece sintetizar toda a obra: “Hó, minha alma, não aspira à vida imortal, mas esgota o campo do possível”. Píndaro

Camus e sua aguda visão crítica social
Para encerrar, e não necessariamente vinculado à Filosofia do Absurdo, deixo transcrito fragmento do discurso proferido por Albert Camus, por ocasião do recebimento do prêmio Nobel (1957). O texto retrata sua personalidade crítica, além de uma arguta percepção dos rumos da sociedade: “Cada geração se sente, sem dúvida, condenada a reformar o mundo. No entanto, a minha sabe que não o reformará. Mas a sua tarefa é talvez ainda maior. Ela consiste em impedir que o mundo se desfaça. Herdeira de uma história corrupta onde se mesclam revoluções decaídas, tecnologias enlouquecidas, deuses mortos e ideologias esgotadas, onde poderes medíocres podem hoje a tudo destruir, mas não sabem mais convencer, onde a inteligência se rebaixou para servir ao ódio e à opressão, esta geração tem o débito, com ela mesma e com as gerações próximas, de restabelecer, a partir de suas próprias negações, um pouco daquilo que faz a dignidade de viver e de morrer”.

* Doutor em Ciências Jurídico-Políticas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL), título convalidado no Brasil. Mestre em Direito Negocial pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Graduado em Direito pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Realizou estudos de Direito Comparado nos Estados Unidos, Universidade da Flórida, e na França, Universidade Jean Moulin Lyon 3. Diretor e Professor na Escola da Magistratura do Paraná (EMAP). Professor convidado no curso de Mestrado na Universidade Estadual de Londrina. Tem experiência acadêmica nas áreas de Direito Ambiental, Direito Civil e Filosofia do Direito. Autor de livros e artigos jurídicos. Juiz de Direito da 7ª Vara Cível de Londrina.

Acadêmico Sergio Alves Gomes

No momento da “PALAVRA DO ORADOR”, o Acadêmico SERGIO ALVES GOMES  iniciou suas considerações cumprimentando todos os participantes da reunião, sobretudo aos que atuaram diretamente na exposição e apresentação dos conteúdos que antecederam sua fala. Ao fazê-lo, lembrou  frase de Antônio Carlos Jobim (Tom Jobim; 1927-1994), “é impossível ser feliz sozinho” (da canção “Wave”, composta por Tom, em 1967). O Orador utilizou-se de tal citação para destacar que o programa da reunião do dia revela a impossibilidade de seu rico e expressivo conteúdo ser fruto de apenas uma pessoa, como um sujeito solitário. Enfatizou, com isso, a importância da união de todos em torno das Letras, Ciências e Artes, como propósito da Academia. Assim,  acentuou que desde a  leitura do “credo acadêmico” até o instante final da reunião, ocorreu uma viagem coletiva, envolvendo todos os presentes,  por diversos campos da cultura, mediante o encontro da reflexão filosófica com as artes da poesia, música,  literatura  e   retórica, liderado pelos(as)  expositores(as) e apresentadores(as) compromissados(as) com o desenrolar do programa da reunião e apoiado pela participação ativa de todos os presentes por meio da  valiosa atenção, oitiva e questionamentos, ao final. 
Inspirando-se nas palavras iniciais da Presidente, Acadêmica  Ludmila Kloczak, que lembrou  a celebração do “Dia Internacional da Mulher”, na  data 08 de março,  estabelecida  pela ONU, em 1975, o Orador ressaltou, diante da escalada de feminicídios no Brasil e no mundo,  a necessidade de uma cultura que apregoe e lute pela “humanização do ser humano”. Cultura esta que compreenda e respeite a diversidade e as diferenças.  Respeito  que por sua vez  exige limites ao voluntarismo destruidor que se manifesta na brutalidade e estupidez de quem se orienta apenas por instintos,  desejo de poder e mando, seja na vida pública ou no espaço privado. O Orador lembrou também que tais limites já estão incorporados e positivados nos princípios fundamentais da Constituição da República, dentre os quais figura o princípio da “dignidade humana”, esteio axiológico maior do Estado Democrático de Direito, instituído pela Carta Constitucional de 05 de outubro de 1988. Internalizar tais princípios na consciência individual e coletiva mediante competente  processo educacional, de efetiva formação do ser humano é, certamente, o melhor dos remédios contra a violência. Fora disso, parece que os recursos de pura punição são apenas paliativos. 
Sensibilizado pelos momentos de Arte, no qual música e poesia se encontraram num diálogo perfeito, graças ao nível dos intérpretes (a música, a cargo do Professor e pianista  Shamir Jean Giupato e a poesia por conta da talentosa poetisa Acadêmica Leonilda Yvonneti Spina), o Orador, referiu-se à peça pianística de Mendelssohn, pertencente à coletânea “Lieder ohne Worte” (canções sem palavras), brilhantemente interpretada. Em tal  referência o Orador  ressaltou  o poder que tem a Arte Musical de “tocar os recônditos da alma humana”, independentemente de palavras. Daí fazer sentido o título da coletânea “Canções sem palavras”. 
Ao referir-se à ideia de “absurdo” presente no tema da palestra  proferida pelo Dr. José Ricardo Álvares Vianna, sobre “Albert Camus e a Filosofia do Absurdo”, o Orador Sergio Alves Gomes,  além de apresentar os cumprimentos elogiosos pelo elevado nível com que o tema foi tratado, acentuou que tal temática (o Absurdismo) é um convite a se  refletir sobre a instigante questão filosófica alusiva ao “sentido da vida”. Lembrou que, segundo alguns autores, uma das características do pensamento filosófico é a “aporia”, pelo fato de a filosofia deixar questões em aberto, sem solução, cabendo a quem pensa decidir, escolher qual das vias possíveis servirá de orientação ao seu pensar e agir. Em seguida, destacou que para os pensadores niilistas, o homem vem do nada e volta para o nada (morte). Para filósofos existencialistas cristãos, o ser humano vem de Deus para a existência e volta para Deus, ao morrer, transcendendo a morte. Qual das opções escolher? A filosofia (com sua multiplicidade de concepções, tendências e vertentes) não decidirá. Neste ponto, frisou o Orador, caberá a escolha a cada um, fazendo uso de sua liberdade: por uma visão niilista, materialista ou uma decisão pela aceitação e fé na transcendência que aponta para um devir para além da morte, consoante diversas concepções religiosas. Todavia, segundo o Orador, tal opção já não depende mais apenas da filosofia, é, já, uma questão de fé e adentra em um outro terreno fenomenológico, também cultivado pelo ser humano: o fenômeno religioso. 
Ainda sobre a relevância do tema “o sentido da vida”, o Orador trouxe à baila algumas lições de VIKTOR E. FRANKL (1905-1997), fundador da Logoterapia,  conhecida também por “terceira escola vienense de psicoterapia”, tendo-se por primeira a Psicanálise de Freud e, por segunda, a Psicologia Individual de Adler (v. a respeito a obra de FRAKL, Viktor E. EM BUSCA DE SENTIDO: Um Psicólogo no campo de concentração, 16ªed. São Leopoldo: Sinodal; Petrópolis: Vozes, 1991). Da referida obra, o Orador citou excertos que apontam como FRANKL – ao sobreviver à prisão em Auschwitz – conseguiu produzir um legado de valorização da vida humana, mediante sua psicoterapia orientada pela “busca de sentido” (logoterapia). 
Para o mencionado autor, “O que importa, por conseguinte, não é o sentido da vida de um modo geral, mas antes o sentido específico da vida de uma pessoa em dado momento. Formular esta questão em termos gerais seria comparável a perguntar a um campeão de xadrez: ‘Diga-me, mestre, qual o melhor lance do mundo?’ Simplesmente não existe algo como o melhor lance ou um bom lance à parte de uma situação específica num jogo e da personalidade peculiar do adversário. O mesmo é válido para a existência humana. Não se deveria procurar um sentido abstrato da vida. Cada qual tem sua própria vocação ou missão específica na vida; cada um precisa executar uma tarefa concreta, que está a exigir realização. Nisto a pessoa não pode ser substituída, nem pode sua vida ser repetida. Assim, a tarefa de cada um é tão singular como a sua oportunidade específica de levá-la a cabo. [...] Em suma, cada pessoa é questionada pela vida; e ela somente pode responder à vida respondendo por  sua  própria vida; à vida ela somente pode responder sendo responsável. Assim, a logoterapia vê na responsabilidade (responsibleness) a essência propriamente dita da existência humana” (p.98-99).
Na sequência, destacou o Orador como VIKTOR FRANKL vê as possibilidades que se apresentam ao ser humano em prol da destruição, do desespero ou da esperança na transcendência que supera a morte, por mais trágica que seja esta.
Neste sentido, afirma categoricamente: “O ser humano não é uma coisa entre outras; coisas se determinam mutuamente, mas o ser humano, em última análise, se determina a si mesmo. Aquilo que ele se torna – dentro dos limites dos seus dons e do meio ambiente – é ele que faz de si mesmo. No campo de concentração, por exemplo, nesse laboratório vivo e campo de testes que ele foi, observamos e testemunhamos alguns dos nossos companheiros se portarem como porcos, ao passo que outros agiram como se fossem santos. A pessoa humana tem dentro de si ambas as potencialidades; qual será concretizada, depende de decisões e não de condições. Nossa geração é realista porque chegamos a conhecer o ser humano como ele de fato é. Afinal, ele é aquele ser que inventou as câmaras de gás de Auschwitz; mas ele é também aquele ser que entrou naquelas câmaras de gás de cabeça erguida, tendo nos lábios o Pai Nosso ou o Shemá Yisrael.” (p. 114). 
Por útlimo, Sergio Alves Gomes, com o intuito de instigar a reflexão e discussão sobre o tema “sentido da vida”, destacou trecho da seguinte obra: POLETTI, Rosette; DOBBS, Bárbara. DAR SENTIDO Á VIDA. Petrópolis,RJ: Vozes, 2008. Em tal obra (p.32-52), as autoras apontam e desenvolvem, ao longo de várias páginas argumentos sobre o que chamam de “Cinco tarefas que permitem dar sentido à vida”: 1) Fazer um balanço do passado. Afirmar uma identidade. Desenvolver a auto-estima. 2) Integrar-se socialmente, criar uma rede, ligar-se ao universo. Cuidar dos outros. 3) Cuidar de si mesmo. Manter sua saúde. Adaptar-se positivamente. Enfrentar o estresse e a mudança. 4) Construir projetos. Abrir-se ao futuro. Ter esperança. 5) Desenvolver sua dimensão espiritual. 
Na sequência, o Orador agradeceu a todos pela atenção e devolveu a palavra à Presidência da Mesa.
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Ao final da reunião, nosso Vice-Presidente Clodomiro Bannwart Jr. entregou o Certificado ao palestrante Dr. José Ricardo Alvarez Vianna

Destaque para o "Café da Manhã com os Acadêmicos", antes do início da reunião, quando foi servida uma deliciosa variedade de pães, bolos, doces, sucos e outras guloseimas, um convite para a integração entre Acadêmicos e visitantes

Agradecemos pela colaboração de Ivan Berbel, 
autor de parte das fotos