Ludmila Kloczak
Bem-vindos nossos confrades, confreiras, convidados e visitantes à Academia!
Sentimo-nos confortáveis em acreditar que vivemos em sociedade. Contamos com instituições que nos abrigam, práticas sociais que procuram prever e atender nossas necessidades individuais e coletivas, três instâncias de poder estruturadas de modo a administrar a nação, o estado e o país nos planos político e jurídico. Uma síntese desidratada da complexidade inerente ao viver em sociedade.
Meu olhar pretende enfocar o personagem que faz tudo isso existir. Vivemos em sociedade! Será? Somos indivíduos que precisamos do outro para cuidar de nós enquanto crescemos e nos capacitamos a viver por conta própria. O maior desafio é conviver com o outro. Desde o berço, um dos trabalhos mais exigidos pela mente é o de estabelecer limites com o outro do qual dependemos. Se considerarmos que a experiência primordial da nossa existência é a de sermos unos com tudo que nos cerca, podemos avaliar o custo que representa para o nosso psiquismo renunciar a essa unidade. Constatar que a nossa sobrevivência depende do reconhecimento da existência e independência do outro. Revela-se aí a ambivalência com que nos relacionamos com o outro: gostaríamos que ele não existisse, não impusesse sua presença a nós; entretanto, precisamos garantir sua existência para a nossa sobrevivência.
Somos ambivalentes. A ambivalência é inerente à constituição do Eu. Os impulsos que nos movem, buscam afirmar a vida, mas, também, antes da vida, o psiquismo busca a descarga dos impulsos. Em algum momento é promovida a ligação com algo que pode ser fonte de prazer. Essa descoberta original pode ser o primeiro passo para a aceitação do outro. Vejam, é o outro como fonte de prazer! O outro que é repelido, passa a ser desejado!
Este é um conflito que nos acompanha até o final da existência: construir e destruir, agrupar e separar, amar e odiar. Nós procuramos nos agrupar em organizações estáveis o suficiente para possibilitar um equilíbrio das forças naturalmente instáveis dentro de nós e, assim, garantir um viver criativo. A paz e o bem-estar social, para bem viver em sociedade, depende de oferecer sentidos à ambivalência. Não nos espantemos com a conduta humana em tempos traumáticos. É o melhor que podemos fazer quando nos desorganizamos e a angústia nos impele a buscar soluções, mesmo que em direção à destruição de si e do outro.
SOBRE O SIGNIFICADO E A RELEVÂNCIA DA LEITURA PARA O SER HUMANO
Acadêmico Sergio Alves Gomes*
No momento da “Palavra do Orador”, o Acadêmico SERGIO ALVES GOMES fez breve saudação à Presidente da Academia, aos demais acadêmicos e convidados presentes e apresentou uma exposição sintética da temática de sua comunicação, focada na palavra LEITURA. Segue o texto completo, objeto de sua comunicação, como Orador da ALCAL, contendo inclusive detalhadas referências bibliográficas que servem de base ao desenvolvimento do texto.
Leitura significa: ação ou efeito de ler; ato de apreender o conteúdo de um texto escrito; ato de decifrar qualquer notação; o resultado desse ato; decodificação, obtenção de dados de um dispositivo de memória, de um meio de armazenamento ou de outra fonte. (1)
Ler é verbo que provém do latim “legere”, significando, originariamente, escolher, pegar, colher.
Para LACORDAIRE, célebre conferencista francês, “três coisas são necessárias para tornar a vida feliz: a bênção de Deus, um amigo e boas leituras”. (2)
A leitura corresponde a uma das cinco atividades filológicas básicas do ser humano que são as seguintes: pensar, falar, ouvir, escrever e ler. (3)
Antes da leitura das letras, ensina Paulo Freire, ocorre, para cada indivíduo, a leitura do mundo. Em suas palavras: “A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele.” (4)
Ler é “acrescentar às experiências da própria vida as experiências dos outros” (BELLENGER,1979, p.16), é também, segundo o mesmo autor, “armar-se para falar, discutir, negociar, lutar”. (5) E mais: “Ler é compreender com os olhos, desejar, apropriar-se de experiências e de informações.” (6)
É fácil aprender a ler? Será que basta juntar letras e palavras que formam frases e concluir, com ingênua certeza, dizendo para si mesmo: “já sei ler”?
Sobre isso, vale lembrar o que disse o genial poeta JOHANN WOLFGANG VON GOETHE: “As pessoas não sabem o quanto custa em tempo e esforço aprender a ler. Trabalhei nisso durante 80 anos e ainda não posso dizer que tenha conseguido” (apud Bellenger, 1979 p.105).
Compreende-se a assertiva de Goethe pelo alcance e possibilidades de diferentes leituras de textos e contextos, em razão de cada leitor trazer consigo, fruto da leitura prévia do mundo, compreensões prévias ou pré-compreensões (7) que interferem nas suas interpretações tanto dos textos quanto dos contextos em que se situa historicamente como leitor e intérprete, isto é, no tempo e no espaço que condicionam, mediante múltiplas circunstâncias, o aprendizado da leitura e o acesso aos diversos níveis em que esta pode ser realizada.
O tema “leitura” se conecta diretamente com o da educação. Pois esta é o caminho único para o pleno desenvolvimento da pessoa, acesso à cidadania e à qualificação profissional. (8) Não há possibilidade de leitura textual sem a educação.
Aprender a ler significa compreender signos e enxergar para além destes. As letras do alfabeto são sinais gráficos que não têm um fim em si mesmos. São mediadoras da comunicação entre os humanos. (9) Comunicação de ideias, experiências, ciências, artes, crenças, valores, conhecimentos de todas as áreas e sentimentos das mais diversas matizes. Consequentemente, sem o aprendizado da leitura, tais sinais gráficos tornam-se inacessíveis à compreensão; a comunicação se vê limitada e o acesso à plena participação no convívio social e nos bens dele decorrentes torna-se quase impossível à pessoa analfabeta. O ato de ler pressupõe o fenômeno da linguagem e a linguagem, consoante lembra a antropóloga e pesquisadora francesa MICHÈLE PETIT, “não pode ser reduzida a um código, a uma ferramenta de comunicação, a um simples veículo de informações. A linguagem nos constitui. Quanto mais somos capazes de dar um nome ao que vivemos, às provas que enfrentamos, mais aptos estaremos para viver e tomar certa distância em relação ao que vivemos, e mais aptos estaremos para nos tornarmos sujeitos de nosso próprio destino. Podem nos quebrar, nos mandar embora, nos insultar com palavras e também com silêncios. Outras palavras, porém, nos dão lugar, nos acolhem, nos permitem voltar às fontes, nos devolvem o sentido de nossa vida. E encontramos nos livros algumas dessas palavras que nos restauram. Em particular em obras cujos autores tentaram transcrever o mais profundo da experiência humana, desempoeirando a língua. Ter acesso a elas não é um luxo: é um direito, um direito cultural, como o acesso ao saber. Porque talvez não haja sofrimento pior do que ser privado de palavras para dar sentido ao que vivemos”.(10)
As possibilidades do livre desenvolvimento da leitura têm forte dependência dos regimes políticos. Daí as conexões entre leitura e política, conforme se vê nas palavras do célebre escritor argentino ALBERTO MANGUEL, ao afirmar que “os regimes populares exigem que esqueçamos, e portanto classificam os livros como luxos supérfluos; os regimes totalitários exigem que não pensemos e, portanto, proíbem, ameaçam e censuram; ambos, de um modo geral, exigem que nos tornemos estúpidos e que aceitemos nossa degradação docilmente, e portanto estimulam o consumo de mingau. Nessas circunstâncias, os leitores não podem deixar de ser subversivos.” (11)
Ler é ato de emancipação, de independência e de libertação do jugo da ignorância. Ter acesso à leitura possibilita a interpretação e compreensão de si e do mundo, mediante o diálogo universal que produz e comunica conhecimento; conhecimento este que se multiplica e se renova a cada nova descoberta e diante de novas interpretações, explicações e compreensões dos fenômenos tanto naturais quanto humanos.
Por isso, todo obstáculo à leitura - seja político, econômico ou de qualquer natureza - é também obstáculo ao progresso humano, à liberdade de aprender, de ensinar, de escrever, de falar, de pensar... Em síntese, de ser e viver como uma pessoa autônoma.
A história nos mostra que, ao longo de séculos, “enquanto a Europa continuava a desenvolver técnicas de impressão, tendo em vista o objetivo de atingir um público leitor e consumidor cada vez mais vasto nos diferentes continentes, o Brasil, diante dos interditos estipulados pela metrópole portuguesa, salvo exceções, passava ao largo desse processo. Diferentemente do governo espanhol, que autorizava a abertura de estabelecimentos gráficos em suas colônias na América, a metrópole portuguesa, até a vinda da família real, em 1808, proibiu expressamente qualquer tipo de reprodução impressa em todo o território nacional, por temer uma possível propagação de ideias políticas progressistas e revolucionárias. Assim, durante o período colonial, as pessoas que aqui viviam precisavam importar de Portugal os livros que desejavam, enfrentando, com isso, uma série de trâmites burocráticos, os custos do transporte e a censura lusitana, primeiro concentrada nas mãos da Inquisição, depois comandada pelos funcionários da Real Mesa Censória, criada em 1769. Esse sistema de muitas hierarquias evidentemente afastou a grande maioria da população brasileira de um contato mais próximo e rotineiro com o texto impresso.”(12) Evidentemente que o saldo de tais obstáculos ao aprendizado e à prática da leitura ao longo de séculos - somado ao regime de escravidão oficialmente vigente até 1888 - concorreu para o atraso do acesso à educação pela maior parte da população brasileira, chegando-se ao final do século XX com graves desafios a serem superados mediante a democratização do acesso à educação, hoje considerada direito fundamental, dever do Estado e da família, a ser promovida e incentivada com a colaboração da sociedade.
E nem poderia ser diferente diante dos compromissos constitucionais assumidos pelo País com o regime democrático. Sem educação não há condição de possibilidade para a formação de leitores. (13) Sem leitores, os textos escritos não ganham sentido. Infelizmente, segundo recentes dados do IBGE, o Brasil ainda conta com 11(onze) milhões de pessoas que não sabem ler. É verdade que com a chegada da Internet, abre-se um leque imenso de acesso à leitura em plataformas digitais. Todavia, sem o leitor crítico, bem formado e informado, como fazer bom uso da rede mundial de computadores? Como decidir por escolhas construtivas e criteriosas a respeito do que vale a pena ler, no escasso tempo disponível à vida de cada pessoa? Assim, vê-se que o tema leitura apresenta múltiplas dimensões e se entrelaça com vários outros assuntos vizinhos, tais como: poder, educação, política, políticas públicas, governo... E, principalmente, com o grau de valorização da carreira do magistério e do professor, pois sem este, obviamente, não se aprende a ler nem a se capacitar para qualquer profissão que exija contato com a escrita. Ademais, leitura exige criação de espaços públicos que incentivem sua prática para todas as faixas etárias, com ênfase nas crianças e jovens, para que desde tenra idade desenvolvam o amor, a paixão, o gosto pela leitura e pelos livros. Isso pode ser feito não apenas por meio da sempre valiosa e tradicional biblioteca pública, mas, também, em parques, praças, paradas de ônibus, salas de espera (ex. consultórios, rodoviárias, aeroportos...), locais similares e, inclusive, por meio de bibliotecas itinerantes. Há uma diversidade de ambientes que podem ser aproveitados para o exercício da leitura, desde que se criem estratégias adequadas para tanto. Tal empenho é indispensável para estimular a leitura e a formação de novos leitores.
Para concluir, cabe frisar que ler e bem interpretar para compreender são exigências básicas para a construção de uma sociedade democrática, conforme delineada na Constituição de 1988. Mas, infelizmente, o texto desta ainda é desconhecido por milhares de brasileiros. Seja pela incapacidade de leitura por aqueles que não sabem ler (analfabetos ou analfabetos funcionais) ou pela falta de interesse de tantos que já sabem ler, mas, apesar disso, carecem de uma efetiva formação para o exercício da cidadania que os ajude a compreender o valor da Constituição para a realização da Democracia, no convívio político-social. Por se tratar da Lei Maior, a Carta Magna do País, além de disciplinar o exercício democrático do Poder estatal, estabelece os direitos e deveres fundamentais de toda pessoa. O acesso ao seu texto, a compreensão do seu significado para o povo brasileiro- seu autor originário e titular do poder (14) - também depende e dependerá sempre de sua leitura. É possibilidade e não realidade ainda para milhões de brasileiros. Todavia, poderá concretizar-se na medida em que houver mais empenho da sociedade e de suas instituições em prol da libertação de todos aqueles que ainda vivem na escravidão do analfabetismo. É o que está posto na Constituição de 1988, ao especificar dentre os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil a “erradicação da pobreza e da marginalização”, bem como a “redução das desigualdades sociais e regionais” (art. 3º, III). Ora, é óbvio que o analfabetismo concorre não apenas a favor da pobreza, mas é protagonista da miséria. Ademais, cabe perguntar: quem mais do que o analfabeto fica à margem do progresso humano? Portanto, urge que o País supere - com o obrigatório empenho de seus governantes, não apenas porque estão eles sob a égide da Constituição Federal, como todos os cidadãos, à qual juraram observância, ao assumirem os cargos públicos e de toda a sociedade - a vergonhosa estatística que ainda revela a existência de milhões de brasileiros excluídos do acesso à educação de boa qualidade e, consequentemente, marginalizados em relação à leitura. Se bem compreendido o papel da leitura, pode-se afirmar que ela é como uma porta que se abre a todas as formas de conhecimento. Obter conhecimento é direito de toda pessoa (15) por ser básica necessidade humana. Por isso, a ninguém é conferido o direito de fechar a porta de acesso ao saber e menos ainda de esconder sua chave. E tal chave de acesso ao conhecimento e à civilização chama-se LEITURA.
Notas:
(1) HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, 1ª reimp. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009.
(2) CARNEIRO, Marcelo Motta. O Progresso na Arte de Ler: o método dinâmico. Curitiba: Gráfica Vicentina, 1984, p.9.
(3) Idem, ibidem.
(4) FREIRE, Paulo. A Importância do Ato de Ler, 30ª ed. São Paulo: Cortez, 1995, p.11.
(5) BELLENGER, Lionel. Os Métodos de Leitura. Rio de Janeiro: Zahar, 1979, p.16.
(06) Idem, p.105.
(7) Pré-compreensão é um dos conceitos centrais no âmbito da hermenêutica filosófica desenvolvida pelo filósofo alemão Hans-Georg Gadamer (1900-2002), a partir de contribuições de Heidegger (1889-1976) sobre o tema. Cf. a tal respeito: GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método: Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. Petrópolis/RJ: Vozes,1997, p.403-404 e 578.
(8) A Constituição da República Federativa do Brasil assim dispõe a respeito da educação, em seu artigo 205: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.
(9) Sobre tal assertiva, cabe lembrar o que diz David K. Berlo (1929-1996), teórico americano das comunicações: “na comunicação humana, a mensagem existe em forma física- a tradução de ideias, objetivos e intenções num código, num conjunto sistemático de símbolos. Cf. BERLO, David K. O Processo da Comunicação: Introdução à Teoria e à Prática. São Paulo: Martins Fontes,1999, p.30.
(10) Cf. PETIT, Michèle. LEITURAS: Do Espaço Íntimo ao Espaço Público. São Paulo: Editora 34, 2013, p.
(11)Cf. Apud MARIA, Luzia. O Clube do Livro: ser leitor- que diferença faz? São Paulo: Globo, 2009, p. 39.
(12) Cf. EL FAR, Alessandra. O Livro e a Leitura no Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006 (col. Descobrindo o Brasil), p. 11/12.
(13) Para aprofundamento no estudo do processo de leitura e a formação de leitores, cf. REZENDE, Lucinea Aparecida de. Leitura e Formação de Leitores: vivências teórico-práticas. Londrina: Eduel,2009. Ao acentuar a relevância da leitura no processo educacional, ressalta a autora que “se ela [a leitura], matéria-prima no processo de ensino e aprendizagem, estiver bem, tudo o mais terá maior probabilidade de êxito”. (p.137).
(14) Diz a Constituição da República Federativa do Brasil, em seu artigo 1º, parágrafo único: “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos, ou diretamente, nos termos desta Constituição.”
(15) Aristóteles, nas primeiras linhas da obra Metafísica, afirma: “ Todos os homens, por natureza, tendem ao saber”. Cf. Aristóteles. Metafísica, vol II, Livro A (primeiro), 980ª. São Paulo: Loyola, 2002, p.3.
* Sergio Alves Gomes é Doutor em Direito: Filosofia do Direito e do Estado, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP); Professor Associado da Universidade Estadual de Londrina (Departamento de Direito Público), na qual é também Professor colaborador do Programa de Mestrado/Doutorado em Direito Negocial; Magistrado (Juiz de Direito aposentado) e Ocupante da Cadeira 36 (Patrono: Hugo Gutierrez Simas) da Academia de Letras, Ciências e Arte de Londrina.
Violão Clássico
Natanael Fonseca*
Nossa Academia contou com o privilégio de receber Natanael Fonseca e seu violão, brindando-nos com a belíssima apresentação de "Variações sobre um tema de Mozart", de F. Sor (Fernando Sor), que pode ser apreciada no vídeo a seguir:
* Nascido no estado da Bahia, Natanael Fonseca tem a sua trajetória musical dividida entre o violão erudito e a viola de arco.
É mestre em violão erudito pela Universidade de Aveiro (Portugal), fez licenciatura e especialização em música pela Universidade Estadual de Londrina, onde também lecionou nos anos de 2006 à 2008 nas disciplinas de percepção musical e violão.
É violista da OSUEL desde 1991 e da Orquestra de Câmara Solistas de Londrina desde sua fundação, com a qual participou da gravação de seus cinco discos além de diversas turnês, destacando o Festival de Verão de Varna/Bulgária em 2010.
Apresentou-se em recitais de violão em Portugal e Espanha, e como solista nos concertos para violão e orquestra de Mário Castelnuovo Tedesco, Heitor Villa-Lobos e Anton Garcia Abril com a orquestra Sinfônica da UEL e dos concertos de A. Vivaldi e J. L. Krebs com a Solistas de Londrina.
Morte: a estética da finitude
Acadêmico Clodomiro Bannwart*
Jesus foi o cacho perfeito de nossa humanidade, a boa uva que espremida (morto) produziu o bom vinho, o vinho da longevidade.
Antes de dormir, como de costume, contei uma estória e fiz uma breve e rápida oração para Manuela, minha filha. A estória falava de uma fada que realizava desejos. Então, eu perguntei a ela, caso a fada lhe aparecesse, qual seria o seu pedido. De pronto, Manuela, com seus sete aninhos, respondeu-me: “pediria a ela, pai, que as pessoas não morressem”. Essa resposta, vinda de uma criança, revela o quanto o ser humano gosta e aprecia a vida, algo que Ariano Suassuna insistia em dizer: “somos seres para a vida e não para a morte”.
O filósofo Sócrates, pouco antes de tomar cicuta e despedir-se da vida, disse: “Eis a hora de partir: eu para morte, vós para a vida. Quem de nós segue o melhor rumo ninguém o sabe, exceto os deuses”. Vida e morte compõem uma relação dialética. Não há morte se não houver vida, pois a vida é a única coisa que a morte pode roubar. A morte só está onde existe vida. Para o filósofo Epicuro, não há razão de preocupar-se com a morte, pois, quando vivemos, a morte não está, e quando ela estiver, nós não existiremos mais. É como se a morte e a vida nunca pudessem encontrar-se. Mesmo que o argumento de Epicuro tenha a pretensão de servir de consolo e de amparo, Sêneca, um filósofo estoico, afirmava que o problema não é a morte em si, pois não é da morte que temos medo, mas de pensar nela. Essa é a questão! Talvez o homem seja o único ser na natureza capaz de pensar na morte. Dráuzio Varella traduziu essa angústia ao inferir que é insuportável ao ser humano pensar que, a partir de um determinado momento, estendido por toda a eternidade, ele nunca mais abrirá os olhos.
A morte é, de fato, trágica. E, segundo Theodore Roosevelt, assim ela deve ser porque, do contrário, provaria ser a vida uma tragédia. É justamente o gosto que nutrimos pela vida que torna a morte trágica. Porém, se há algo de positivo na morte é que ela é pedagógica e ensina, segundo o escritor americano Leo Buscaglia, a transitoriedade de todas as coisas. Um dia, numa aula de filosofia, o professor colocou a seguinte indagação: imagine que a morte não exista e que viveremos para sempre essa vida. Será que nós teríamos a mesma percepção da vida tal como temos na condição de mortais? Provavelmente, não! Até porque ambicionamos mais do que simplesmente viver, desejamos uma vida plena, algo que não alcançamos nessa vida tal como a conhecemos, em razão de nossas limitações e de nossas contingências. É a velha máxima de Confúcio: “Para que preocuparmo-nos com a morte, se a vida tem tantos problemas que temos de resolver primeiro”.
A morte é um mistério que desafia permanentemente o conhecimento que temos do mundo e de nós mesmos. É certo que conhecemos muitas coisas, mas negligenciamos o conhecimento que temos a nosso respeito. A ciência pretende, até 2030, alcançar determinado domínio sobre Marte. A viagem, se viabilizadas as condições para isso, consumirá aproximadamente oito meses. Um percurso de milhões de quilômetros. Ainda assim, temos dificuldade de percorrer a estrada mais curta que marca nossa frágil existência, aquela estradinha íngreme, pouco explorada, que conecta mente e coração. Conquistamos o espaço, exploramos as estrelas, mas nos perdemos com frequência nessa estradinha. E é nessa estradinha que vivemos ou morremos. Não há GPS que nos guie em segurança ou avise, com antecedência, os contratempos do percurso. O medo muitas vezes impede de apreciar a vivacidade da travessia. Pouco sabemos das estrelas que habitam o nosso interior, talvez por receio da penumbra que há dentro de nós. Charles Beard dizia que a escuridão profunda é condição indispensável para ver as estrelas. E que triste seria nosso caminhar – parafraseando Mario Quintana –, não fosse a presença das estrelas que, mesmo brilhando distantes, iluminam nossos passos. Se a morte é associada à escuridão, ainda assim precisamos dela para enxergar a claridade e a vivacidade da vida. A religião e a filosofia sempre contribuíram para que o ser humano pudesse encontrar essa luz.
Na concepção dos filósofos gregos, a natureza é portadora de teleologia. Afirmavam que na natureza nada existe destituído de finalidade. Tudo concorre para um determinado fim, para a realização de um fim (telos). À execução do fim a que cada coisa se destina dá-se o nome de Káiros (tempo oportuno, tempo da plenitude). A plenitude do pé de uva, por exemplo, acontece no momento oportuno de colher a uva boa, aquela que será transmutada em vinho, a bebida perfeita dos deuses e preferida dos homens. Porém, não se faz o bom vinho sem esmagar a uva. Na concepção da teologia cristã, devedora da filosofia grega, Jesus foi o cacho perfeito de nossa humanidade, a boa uva que, espremida (morto), produziu o bom vinho, o vinho da longevidade, o vinho da vida festiva na sua mais alta plenitude.
Jesus, sob o prisma da fé, mostra que, dialeticamente, da morte, colhe-se a vida. Paradoxalmente, o Káiros de Jesus foi a morte, porém, uma morte revestida de plenitude e de graça. Por essa ótica, podemos entender que a vida é perpassada pela morte e que na morte está a vida, e vida em abundância. Eis o mistério, talvez o maior, da fé Cristã. Perceber isso não é pouca coisa. Como bem expressou o escritor Flaubert “talvez a morte tenha mais segredos para nos ensinar que a vida”.
O presente texto faz parte do livro "Entre a vida e a morte. O que colhemos no caminho?", organizado por Clodomiro Bannwart, que será lançado em junho de 2021 pela Editora Engenho das Letras, com prefácio assinado pelo filósofo Mario Sergio Cortella.
* Clodomiro José Bannwart Júnior é Professor de Ética e Filosofia Política na Universidade Estadual de Londrina e membro efetivo da Academia de Letras, Ciências e Artes de Londrina, desde 2014.
"Kant e ‘Lições de Ética’: um relato do itinerário da tradução de um clássico do pensamento ocidental"
Prof. Charles Feldhaus*
Nessa palestra se pretende elucidar alguns aspectos biográficos do pensamento de Immanuel Kant com ênfase na descrição de todo o processo de tradução da obra Lições de ética, publicada pela Editora da Unesp em 2018, e que chegou a finalista do Prêmio Jabuti na categoria traduções em 2019. Será elucidado a natureza do texto traduzido, uma vez que se trata de um material não escrito pelo próprio pensador, mas sim num conjunto de anotações de aula dos alunos que puderem assistir as próprias aulas de filosofia moral na Universidade em que Kant era professor. Como os tradutores Charles Feldhaus e Bruno Cunha chegaram à ideia de traduzir a respectiva obra, quanto tempo demorou, algumas dificuldades e desafios do processo de tradução, entre outros aspectos. Há também algumas observações sobre o conteúdo da obra.
Veja o vídeo da palestra:
* Charles Feldhaus é professor Associado da Universidade Estadual de Londrina, Doutor em filosofia pela Universidade Federal de Santa Catarina, Pósdoutor em filosofia pela Martin Luther Universtitaet Halle Wuttenberg. É autor dos livros Direito e moral. Três estudos sobre a filosofia moral de Kant (2007),Natureza Humana, liberdade e Justiça. Um estudo a respeito da posição de Habermas acerca da biotécnica (2011) e Versos à Lira (2019).
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