O programa da reunião de hoje contém, como de costume, uma variedade de apresentações as quais, pela sua diversidade, pedem uma reflexão capaz de vislumbrar algum sentido de unidade construído pelo fio da multiplicidade. Afinal, na mesma reunião temo a inicial palavra da presidente, Acadêmica Ludmila Kloczac, focando ideias e valores fundamentais para a humanização do convívio social capaz de garantir vida, saúde e liberdade para todos; o “destaque acadêmico” em que o confrade Júlio Bahr nos faz lembrar dos visionários cartunistas “Hanna e Barbera”, criadores de inesquecíveis personagens do desenho animado; momentos de arte, com a atenção hoje voltada à música, graças à presença da Professora Dra. Juliana Barbosa, com a temática “mulheres no samba”, para, em seguida, chegarmos ao esperado momento de um brinde simbólico. Mas, atenção, só haverá brinde depois que nosso ilustre Palestrante Luiz Parellada Ruiz nos esclarecer com sua esperada palestra como “A América descobriu o vinho.
Extratos da nossa reunião virtual de 13/09/2020
Nossa Academia de Letras, Ciências e Artes de Londrina promoveu a reunião mensal de setembro novamente na modalidade remota.
O conteúdo foi bastante diversificado e agradou imensamente ao grande número de participantes de Londrina, várias cidades do Paraná, Rio de Janeiro e São Paulo que nos honraram com suas presenças virtuais.
Nossa diretoria agradece a cada um dos Acadêmicos, visitantes e palestrantes que enriqueceram este encontro e sente-se gratificada ao ver que o interesse pela cultura e por novos conhecimentos continua pulsante em cada um.
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ABERTURA - CREDO ACADÊMICO
O Credo Acadêmico foi lido pela Acadêmica Neusi Berbel
Acadêmica Ludmila Kloczak
Bem-vindos à nossa segunda reunião virtual, queridos confrades, confreiras e convidados
Há algo deste momento histórico do qual somos protagonistas que precisa ser considerado. A ameaça advinda de um vírus mobiliza indivíduos, instituições, entidades governamentais e particulares locais e internacionais a buscar meios de proteção. A primeira e a mais lógica foi a de promover o isolamento, o distanciamento social. Quanto mais longe estivermos uns dos outros, maior a garantia de sobrevivência.
Foi nos solicitado que demonstrássemos nossa capacidade de contenção, de autocontrole. Espera-se de nós que saibamos aceitar os nossos limites. Espera-se que tenhamos uma noção clara a respeito dos limites da vida. Que a nossa autoconsciência nos forneça suficientes recursos para exercitar nossa capacidade de comedimento. Entretanto, essa expectativa social e política esbarra em uma dimensão interna algo difusa, mas suficiente para nos angustiar quando não está presente, que é a nossa liberdade.
Precisamos conversar sobre a sensação profunda de ameaça ao exercício da liberdade. Pode ser paradoxal pensarmos em liberdade, quando o que está em jogo é a nossa saúde, a nossa vida e a vida dos outros. Justamente, quando precisamos lidar com o desejo de expressar liberdade e a necessidade do seu cerceamento, em nome de um bem comum, em nome da nossa responsabilidade para conosco e com o outro, torna-se necessário refletir sobre os limites da liberdade.
Sabemos, ou nem tanto, que para sermos livres, é preciso não nos deixarmos levar pela paixão. Esta é efêmera. Entregar uma vida às paixões pode causar sofrimento a nós e aos outros. Quando se trata de um patógeno concreto, mas invisível, pode levar à expressão de uma liberdade calcada na negação, ou mesmo na recusa de sua existência. A vã e arriscada entrega à paixão resultante da negação, pretende exaltar e afirmar uma liberdade que, longe de ser fruto da consciência de si e do outro, contém a marca da destruição.
Estamos a viver uma contingência inequívoca da vida, que nos obriga a indagar o que podemos fazer? Até onde podemos ir? A trajetória que se nos apresenta, nos obriga a escolher o que desejamos ser e como exercer nossa liberdade. Não se trata de usar ou deixar de usar máscaras, de aglomerar, de promover festas lotadas. Trata-se de colocar em discussão, de refletir sobre o sentido da liberdade possível, sobre a constituição do conceito de responsabilidade sobre si e sobre o outro. Se este conceito não estiver firmemente estabelecido no íntimo das pessoas, a desobediência será a regra. Ou seja, os indivíduos serão regidos pela paixão, confundida com liberdade. Um efeito previsível será a tomada de medidas coercitivas e autocráticas, pelos governantes.
"Breve reflexão sobre
Educação e Maioridade"
Acadêmico Sergio Alves Gomes
Manifestações culturais expressam a criatividade humana. E o humano é capaz de transcender a si mesmo quando se conecta ao transcendente, ao que é divino e misterioso, e se empenha por manter relação dialogal e harmônica com os outros (semelhantes, mas diferentes) e com a natureza da qual também é parte. O diálogo entre Letras, Ciências e Artes e seus cultores é uma constante no âmbito da Academia, conforme comprovam suas reuniões.
Pois bem, antes de chegarmos ao vinho e sermos instigados a aprender mais sobre a história desta milenar bebida gostaria de propor para uma breve reflexão duas palavras: educação e maioridade. Ambas inspiradoras de múltiplos estudos e tratados em diversas áreas do conhecimento. Inicialmente, cabe perguntar: que relações podemos detectar entre educação e maioridade?
Sabe-se que a educação - no âmbito de uma sociedade que opta pela democracia e institui o Estado democrático de direito, conforme faz o Brasil (CF, art. 1º, caput) - é um direito fundamental. Assim está posto em nossa Constituição Federal, art. 205: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Por que tamanha importância deve ser atribuída à educação, à “paideia”, assim referida pelos antigos gregos? Para responder tal questão invoca-se a lição do filósofo JEAN JACQUES ROUSSEAU, em sua obra “O Emílio ou da Educação”(1).
“Nascemos fracos, precisamos de força; nascemos carentes de tudo, precisamos de assistência; nascemos estúpidos, precisamos de juízo. Tudo o que não temos ao nascer e de que precisamos quando grandes nos é dado pela educação”.
O filósofo e professor Manfredo de Araújo Oliveira(2), ao refletir sobre o papel da educação, diferencia-a da mera instrução. Diz ele: “A educação dá um rumo, uma orientação à instrução, pois ela não fornece simplesmente informação a respeito de fenômenos e eventos no mundo, mas é antes a aprendizagem de um relacionamento justo com o todo da vida humana, uma ajuda para que o homem possa encontrar seu lugar no todo da realidade. Portanto, a primeira preocupação da educação não pode ser com a formação dos funcionários de um sistema vigente, mas com o “ato de personalização” da pessoa, com o processo de libertação da liberdade do homem: trata-se de dar ao homem um quadro referencial básico, onde ele possa situar-se ao agir no mundo. É uma visão básica a respeito da natureza, do homem, da sociedade, da vida humana enquanto tal e um projeto de vida coerente com esta visão. É em função deste quadro de referenciais últimos que se educa alguém, pois sem ele a educação se inverte em instrução”.
Visto isso sobre o termo educação, cabe considerar o significado de maioridade, para se perquirir pelas eventuais relações entre ambos os conceitos.
É do conhecimento comum a noção de maioridade jurídica. Sabe-se que, no Brasil atual, ao completar dezoito (18) anos, ressalvadas as exceções legais, “a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil” (Código Civil, art.5º). E, também, com a mesma idade, torna-se penalmente responsável, isto é, imputável, capaz de responder por eventual prática de crime, ao ver cessada sua inimputabilidade, em razão da idade (Código Penal, art.27). São, portanto, normas que integram o ordenamento jurídico brasileiro que assim determinam.
Destarte, sob a ótica legal, no Brasil, a maioridade é algo que se reconhece a todo aquele que completa 18 anos, como regra geral.
Todavia, cabe perguntar: a maioridade é unidimensional, tem apenas a dimensão jurídica - aspecto este que se realiza (salvo algumas exceções legais) pelo mero decurso do tempo (idade) - ou a maioridade apresenta outras dimensões cujo desenvolvimento depende da educação?
Uma valiosa reflexão sobre esta questão é desenvolvida pelo Professor, filósofo e pesquisador alemão HANS-GEORG FLICKINGER, da Universidade de Kassel (Alemanha) e que durante vários anos foi professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). Em seu artigo “Dimensões da maioridade e a educação”(3), diz o Professor Flickinger: “O conceito da maioridade oferece-nos conotações diferentes nos âmbitos jurídico, social-ético e político. No entanto, para a educação, é o conjunto desses seus significados que deveria ser respeitado como fim do esforço pedagógico. A maioridade pensada apenas em termos jurídicos perderia de vista suas outras duas dimensões, pois as restringiria apenas ao âmbito “das obrigações legais”, favorecendo, inclusive a legitimação de uma “comunidade de egoístas”.
Para Flickinger, “na dimensão política, o conceito da maioridade não restringe seu significado aos contextos jurídico e civil; ao contrário, aponta para o que Kant afirma como ‘uso público da razão’. Segundo o filósofo, a maioridade incluiria a coragem de expor as próprias convicções à avaliação do debate público, obrigando-se o indivíduo a defendê-las com base em argumentos racionalmente legitimados”(4). E, adiante, acrescenta:(5) “o estado da maioridade jurídica[...] por si só, não leva a pessoa para além do marco nela delineado. O jogo legal legitima-nos, sim, a fundamentar o nosso ser autônomo, isto é, nossa maioridade, na mera legalidade do agir, ou seja, no respeitado procedimento meramente legal; não questiona, porém, os conteúdos, os efeitos ou os valores ético-morais que subjazem à nossa postura.”[...] Nessa lógica, a pessoa é obrigada a cumprir apenas os deveres sociais determinados pela lei. Em outras palavras, as obrigações ético-morais não ultrapassam os limites marcados pelas obrigações legais.” E mais:
“Se o objetivo do processo educacional se esgotasse na formação de indivíduos comprometidos somente com as exigências oriundas da ideia jurídica da maioridade, chegaríamos a legitimar uma comunidade de egoístas em busca de suas vantagens às custas dos outros e preocupados, única e exclusivamente, com a legitimação de seu comportamento pelas prescrições do direito. Pois aí, quem conseguisse vincular seu agir ao espaço legal não teria de se responsabilizar pelo possível dano que daí adviesse para outrem.”(6)
No que concerne à dimensão política da maioridade e o papel da educação neste aspecto, afirma o mesmo autor: “O caminho que deve (a educação) escolher não deixa dúvidas. A formação das novas gerações tem de levar em conta a tarefa de capacitá-las a exercer também a sua maioridade política e, com isso, a participar na construção e reformulação de seu ambiente como um todo. Se pensarmos nas lutas pelos direitos da cidadania, os únicos candidatos a dar voz aos excluídos são aqueles indivíduos que não apenas conhecem os caminhos legais e compreendem a situação desprivilegiada de partes da sociedade, mas assumem também a postura da coragem civil, ou seja, que se dispõem a articular em público a injustiça social realmente vivida, apontando os caminhos para superá-la.[...] Pois bem, é à educação que cabe levar os jovens a ousar esse “uso público da razão”, dando-lhes não somente a oportunidade de experimentá-lo, mas, antes de tudo, de se dar conta de todas essas implicações contidas no estado de maioridade”(7).
Levando-se em conta o desafio proposto por KANT em seu texto “Resposta à Pergunta: Que é o Iluminismo?”(8), no qual o filósofo de Königsberg, assevera ser “difícil a cada homem desprender-se da menoridade que para ele se tornou/quase uma natureza. Até lhe ganhou amor e é por agora realmente incapaz de se servir do seu próprio entendimento, porque nunca se lhe permitiu fazer uma tal tentativa”. E, adiante, acrescenta Kant: “Mas é perfeitamente possível que um público a si mesmo se esclareça. Mais ainda, é quase inevitável, se para tal lhe for dada a liberdade”.( 9)
Pois bem, a liberdade(10) é direito fundamental e apresenta também múltiplas dimensões. Só no espaço de liberdade, com mútuo respeito, isto é, reconhecimento da alteridade(11), pode haver educação e, por meio desta chegar-se à autonomia, à maturidade, isto é, à maioridade plena(12) e não apenas legal. Isso vale para indivíduos e Países.
Diante disso, afloram várias perguntas: levando-se em conta a realidade dos comportamentos já evidenciados, em que nível de maturação, enquanto País e nação, o Brasil se encontra? Já saiu da sua menoridade, depois de abolir formalmente a escravidão e proclamar-se independente? A educação que o País propicia aos brasileiros é capaz de conduzir crianças, jovens e adultos à maioridade em suas dimensões ético-social e política, além da maioridade jurídica que, como regra geral, ocorre por mero decurso do tempo? Em relação à pandemia provocada pelo “Coronavirus”(Covid-19), como reagem os governantes e a população brasileira? Somos bom exemplo para o mundo em termos de maioridade ética, social e política, no trato cuidadoso da saúde? Em relação ao meio ambiente, como estamos cuidando de nossas águas (rios, lagos, mares, pantanal...), florestas, fauna, flora, atmosfera e sua biodiversidade? Quanto disso já foi destruído pela ação e omissão humanas, como demonstração prática de menosprezo ao disposto na Constituição Federal, em seu artigo 225, que assim estabelece: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. A Constituição Federal tem sido levada a sério por todos aqueles que, ao assumirem cargos públicos, juraram cumpri-la? Quais são os fatores que concorrem para o evidente atraso educacional do País e que precisam ser superados?
Sabe-se que só por meio da educação pode-se chegar às Letras, às Ciências, às Artes e a toda forma de expressão cultural que requer conhecimento da linguagem escrita e respeito a básicos princípios de ética. Só a educação possibilita compreender tais manifestações do espírito humano concretizadas nas miríades de obras e ensinamentos que iluminam os caminhos, por vezes escuros, sombrios, patológicos, mas também sempre esperançosos, do trajeto da humanidade em busca da necessária luz para fazer face aos desafios da existência. Somente por meio da educação forma-se o caráter (13) do ser humano, seu modo de ser, de estar e de se comportar perante a vida, o outro e o mundo. À maioridade, capaz do reconhecimento do que é verdadeiro, belo, bom e justo só se chega por meio da educação. É a educação que habilita o ser humano ao exercício pleno da liberdade responsável e ao alcance da efetiva maioridade.
Evidencia-se, portanto, a urgente e desafiadora necessidade de se levar muito mais a sério, no Brasil, a disponibilidade de educação com qualidade para o povo brasileiro (titular do poder democrático, conforme art. 1º, § único, da Constituição Federal)(14). O atendimento desta urgência se faz mais do que necessário a fim de que o País alcance maioridade no concerto das nações contemporâneas e demonstre, assim, honrar e cumprir, perante si mesmo e o mundo, os compromissos constitucionais republicanos assumidos. Tais compromisso estão positivados na Constituição da República que instituiu, como indubitável conquista civilizatória, o Estado Democrático de Direito (CF, art. 1°, caput) a respeito do qual ainda há muito por realizar. Todavia, tais realizações, conforme já analisado, dependem de mais educação. Educação para uma efetiva e plena maioridade.
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[1] ROUSSEAU, J.J. EMÍLIO ou Da Educação. São Paulo: Martins Fontes,1999, p.8
[2] OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. Ética e Práxis Histórica. São Paulo: Ática, 1995.pp. 109/110. Digna de nota é também a advertência do autor em relação à qualidade da educação contemporânea, especialmente na América Latina: “Talvez tenhamos que reconhecer que, no mundo de hoje, especialmente entre nós na América Latina , estamos passando por uma crise muito profunda em relação à educação, que consiste precisamente no fato de que nós só somos capazes de instruir e não de educar, isto é, de fazer emergir um relacionamento com o todo. Nossas instituições educativas parecem que são hoje instituições de instrução destinadas a preparar os futuros funcionários da sociedade, ou seja, os quadros que nela sistematicamente se devem inserir, sem sermos capazes de educar a pessoa humana enquanto tal.” (op. cit. p.109).
[3] FLICKINGER, Hans-Georg. Dimensões da maioridade e a educação. REP- Revista Pedagógica, v.12, n.1, Passo Fundo, p.15-28- Jan/jun- 205.
[4] Idem, p.16.
[5] Ibidem, p.18
[6] Ibidem, p.19.
[7] Ibidem, p.27.
[8] KANT, Immanuel. A Paz Perpétua e Outros Opúsculos. Lisboa: Edições 70, 1995, p. 11 a19 (Resposta à Pergunta: Que é o Iluminismo).
[9] Idem, p.12
[10] É o que estabelece a Constituição Federal da República Federativa do Brasil, em seu art. 5°, caput: “ Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à seguranção e à propriedade, nos termos seguintes...”
[11] Sobre o tema da alteridade cf. CAMILLO, Carlos Eduardo Nicoletti. A Teoria da Alteridade Jurídica:em busca do conceito de direito em Emmanuel Lévinas. São Paulo: Perspectiva, 2016. Já no prefácio do texto diz o autor: “Nosso ponto de partida é a constatação de que a humanidade experimentou uma de suas piores crises no século XX, cujas atrocidades nos remetem a uma única expressão que poderia sintetizar esse século sangrento e, bem assim, o que poderá ser esperado do século XXI: a desumanização.[...] Daí a necessidade de repensarmos o sistema jurídico a partir de uma releitura que privilegie a alteridade, isto é, para além-do-ser que se mostra egoístico e materialista, para que ele se volte ao Outro, de maneira mais solidária e fraterna” (p.11-12).
[12] A expressão “maioridade plena” aqui utilizada pelo autor deste artigo corresponde à ideia de “pleno desenvolvimento da pessoa”, conforme previsto no artigo 205, da Constituição Federal, ao estabelecer os objetivos da educação. Diz o texto constitucional: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.
[13] Sobre a influência do caráter no agir de cada indivíduo, vale a pena lembrar os ensinamentos do filósofo pré-socrático Heráclito de Éfeso(cerca de 540-470 a.C). No fragmento CXIV de sua obra, lê-se a seguinte afirmação: “O caráter do homem é seu destino (literalmente, seu daimon ou divindade). Ao comentar tal fragmento, CHARLES H. KAHN, respeitável professor de Filosofia na Universidade da Pensilvânia e pesquisador em teoria política e filosofia grega, ensina que “[...] o sentido mais óbvio do fragmento XCIV é que é o caráter do próprio homem, e não um poder exterior, que responde pela qualidade da sua vida, pela sua fortuna para o bem ou para o mal. A sua parte no destino é determinada pelo tipo de pessoa que ele é, pelo tipo de escolhas que ele faz habitualmente, e pelas consequências psicofísicas que elas acarretam ou às quais vêm a corresponder.” Cf. KAHN, Charles H. A Arte e o Pensamento de Heráclito: Uma Edição dos Fragmentos com Traduções e Comentários. São Paulo: Paulus,2009, p.409 (coleção Philosophica).
[14] Diz a vigente Constituição Federal, de 05 de outubro de 1988, em seu artigo 1°, parágrafo único: “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos, ou diretamente, nos termos desta Constituição”.
"Mulheres no samba"
Profa. Juliana dos Santos Barbosa*
O samba é uma cultura gerada na diáspora afro-brasileira. Junto com outras manifestações culturais de matriz africana, foi responsável por reelaborar as identidades dos povos africanos, estrategicamente desconstruídas pela escravidão, sistema que durou mais de 300 anos no Brasil. Enquanto os escravistas separavam e distanciavam as famílias e povos originários, os cultos e os batuques os reuniam em identidades e manifestações culturais reelaboradas em território brasileiro.
Em culturas de diáspora, o pensador Martín-Barbero nos lembra que a mulher exerce papel essencial de aglutinação. No caso do samba carioca, as mulheres negras foram importantes mediadoras. Foi pelas mãos (e pés) de mulheres que migraram da Bahia, no final do século XIX, que os batuques e gingados desembarcaram no Rio de Janeiro.
As histórias dessas “tias”, madrinhas” e “mães”, contudo, estão numa seara cheia de lacunas, equívocos e silenciamentos propositais. Por isso a pesquisadora Jurema Wernek fala da necessidade de uma releitura sobre o mito de origem do samba que, via de regra, não dá a devida visibilidade à intensa participação das mulheres.
Ao se referir às tias baianas, a autora lembra da figura de Hilária Batista de Almeida, a Tia Ciata, um dos nomes mais importantes na história social do samba. Wernek (2018) ressalta que, com sua “capacidade criadora, seu poder de aglutinação e sedução”, Ciata reuniu, em torno de si, figuras de diferentes segmentos da sociedade da época. Por isso se diz que seu quintal é o nascedouro do samba.
Na canção “Onde o Rio é mais baiano”, Caetano Veloso diz que a Bahia expediu “as Ciatas pra trazerem o samba pro Rio”. O uso do plural para se referir à Tia Ciata, é um bom gancho para falarmos sobre os diversos papéis exercidos pela mulher nesta cultura: elas foram muitas. Dando sequência ao movimento das tias baianas que cultivaram o samba urbano carioca, suas “filhas” continuam espalhando e cultivando o samba Brasil adentro.
Como produtoras culturais, continuam fazendo a gestão de eventos culturais; no campo da música, elas cantam, tocam e compõem; também são importantes articuladoras, conectando as pessoas em torno das rodas; além disso, cozinham, dançam e pesquisam a cultura do samba.
Dona Neuma e Dona Zica são exemplares mediadoras: foram lideranças da Escola de Samba e do morro da Mangueira. Viajaram o Brasil e o mundo como disseminadoras da cultura do samba. Os dotes culinários de Vicentina e Tia Surica, da Portela, são elementos essenciais para fazer a comida que agrega em torno da roda. No Carnaval, as mulheres reverenciam Ciata nas alas das baianas, um dos elementos mais significativos das escolas de samba. As porta-bandeiras são responsáveis por desfilar na avenida com o símbolo maior das agremiações carnavalescas.
Elas são as senhoras da canção. Como Ivone Lara, que começou a compor aos 12 anos de idade, mas até os 40 não podia assinar suas composições, por ser uma mulher. Em 1965, ela foi a primeira mulher assinar um samba-enredo numa grande escola, o Império Serrano. Depois de 50 anos, Teresa Cristina foi uma das responsáveis pelo renascimento da Lapa carioca como lugar de samba. Também fez o samba da Escola Renascer de Jacarepaguá, sendo a primeira mulher a ganhar o Estandarte de Ouro [prêmio concedido pelo jornal O Globo].
Elas são instrumentistas, como as talentosas Nilze Carvalho e Márcia Viegas. E são cantoras, como Alcione que já levou sua voz para mais de 30 países, tem mais de 50 álbuns gravados, ganhou 25 discos de ouro e 07 de platina. A nossa “Marrom” tem mais de 350 troféus e suas canções já foram trilhas em mais de 20 novelas.
Elas são articuladoras, como Dorina que idealizou, em 2017, o movimento de Mulheres na Roda de Samba, dando visibilidade à força feminina do samba. A cada ano, uma sambista é homenageada no evento que reúne centenas de mulheres de 20 estados brasileiros e de outros países também.
Elas também são pesquisadoras. Como Helena Theodoro, griô e referência maior para o coletivo Acadêmicas dos Sambas, formado por pesquisadoras negras que estão reescrevendo a história do samba com novos olhares.
Para finalizar, é importante dizer que Londrina ocupa importante papel neste cenário, com mulheres talentosas que cantam, tocam, compõem, produzem, articulam e pesquisam, semeando a cultura do samba, que frutifica em nossa terra roxa.
* Possui graduação em Comunicação Social - Relações Públicas pela Universidade Estadual de Londrina (1996), mestrado em Estudos da Linguagem pela Universidade Estadual de Londrina (2007) e doutorado em Estudos da Linguagem pela Universidade Estadual de Londrina (2013). Atualmente é professora da Faculdade Pitágoras de Londrina. Tem experiência na área de Comunicação, atuando principalmente nos seguintes temas: relações públicas, cultura do samba, organização de eventos, crítica genética e publicidade e propaganda.
Hanna e Barbera, dois visionários
Acadêmico Julio Bahr
Quando a nossa Academia de Letras deu início a estas reuniões na modalidade remota, com uma tecnologia que para nós era desconhecida há poucos anos, lembrei-me de uma série de desenhos animados que assistia na velha tevê preto-e-branco na década de 1960, há quase sessenta anos.
Muitas destas modernas ferramentas tecnológicas que hoje utilizamos no nosso dia-a-dia e consideramos até banais, já haviam sido imaginadas naquela década, não pelos especialistas em informática, nem por engenheiros, mas inacreditavelmente por uma dupla produtora de desenho animado.
Falo de Willian Hanna e Joseph Barbera, dois cartunistas norte-americanos. Ambos fundaram em 1957 um estúdio de desenho animado e foram os criadores dos personagens “Tom e Jerry”, “Os Flinstones”, “Zé Colméia” e da série “Os Jetsons”, exibida na televisão brasileira originalmente nos anos 1962 e 1963 pela TV Excelsior. Mais tarde esta série foi relançada com novos episódios produzidos entre 1984 e 1987, como parte do programa The Funtastic World of Hanna-Barbera e exibida no Brasil à cores pelo SBT.
E por que estou tomando a liberdade de catalogar os autores de “Os Jetsons” como visionários?
A série introduziu no imaginário da maioria das pessoas como seria o futuro da Humanidade: carros voadores, cidades suspensas, trabalho automatizado, toda sorte de aparelhos eletrodomésticos e de entretenimento, robôs atuando como criados, esteiras rolantes, viagens rápidas à Lua e tudo mais que poderia se imaginar. Há quase sessenta anos já era retratado um cenário futurista que mexeu com a imaginação de muita gente, crianças e mesmo adultos, com as engenhocas que faziam parte daquela família.
No desenho animado, ‘Os Jetsons’ vivem em 2062 e alcançaram um grande avanço tecnológico. A família reside em Orbit City. Nessa cidade todas as casas são suspensas do chão por colunas ajustáveis.
Logo na abertura do desenho animado, pedestres se locomovendo na calçada rolante apareciam compenetrados em seus aparelhinhos portáteis - um deles até parecia um tablet. George acompanhava as brincadeiras do filho Elroy através de uma câmera. Os jornais eram vistos e lidos em telas.
Havia a empregada-robô, que fazia todo o serviço doméstico da casa dos Jetsons. Mesmo que não tenhamos ainda esse tipo de robô no mercado – apesar de protótipos desenvolvidos por alguns japoneses - atualmente já existem diversas máquinas que ajudam a manter a casa organizada, como os discos-robôs que sozinhos varrem e aspiram a casa sem a necessidade de controle remoto, além de robôs que limpam a piscina.
As calçadas rolantes que aparecem nos desenhos existem hoje, principalmente nos aeroportos, chamadas de esteiras rolantes.
Câmeras já eram usadas para patrulhar os empregados, que podiam ser demitidos por emitirem opiniões e críticas contrárias aos interesses dos seus empregadores.
Atualmente fazemos conferências por computadores, celulares, notebooks e smart TVs. Tão comuns quanto falar ao telefone, estas reuniões remotas, as reuniões por vídeo entre filiais de empresas no próprio país e no Exterior, ou as conversas entre amigos pelos programas Whatsapp, Zoom e Skype acontecem o tempo todo.
Por incrível que pareça, esta foi outra projeção futurista no desenho dos Jetsons, que se comunicavam através de televisores e até por relógios. Quem imaginaria essa tecnologia há sessenta anos?
As câmaras de bronzeamento chegaram ao mercado em 1978. Entretanto, no desenho animado, uma década antes, um personagem se bronzeia deitado no conforto de sua cama.
Os Jetsons circulavam com seus carros voadores. Ainda não existe esse produto como ele era apresentado no desenho, mas já há protótipos de aviões com asas retráteis, que além de voar, permitem circular pelas ruas como os automóveis. O mais recente carro voador foi exibido há alguns dias na tevê. As empresas Airbus, Embraer, Uber e Google também trabalham no projeto de carros voadores e talvez um dia veremos esses veículos cruzando os céus por aí. Dificilmente esta locomoção será feita em cápsulas envidraçadas, como mostradas no desenho animado. Mas podemos observar que o design industrial de ônibus e trens, principalmente os trens-bala, se modernizaram em estilo bem parecido ao das cápsulas.
Os Jetsons viajavam frequentemente para a Lua. Hoje estes passeios estão sendo programados por algumas empresas que trabalham seus protótipos. Mesmo sendo previstos custos milionários nestas empreitadas, já existem alguns interessados inscritos.
Mais uma profecia do desenho animado era a locomoção das pessoas por mochilas de propulsão a jato. Em 1984, nos Jogos Olímpicos de Los Angeles, ocorreu um sobrevoo com o chamado jetpack, a mochila voadora, que durou 17 segundos. Em 2001, a escola de samba Grande Rio ofereceu uma demonstração do homem voador, que sobrevoou a Passarela do Samba num jetpack em seu desfile na Sapucaí.
O personagem Elroy utilizava um ‘computador oral’ para resolver seus problemas matemáticos. Ele falava e a máquina respondia com o resultado. A tecnologia hoje está mais avançada: além de vários aplicativos, existem os assistentes de voz como Cortana e Google Now, que respondem às questões do usuário.
Para terminar: quem consegue explicar o dom visionário da dupla Hanna e Barbera, apresentando uma criatividade ímpar quase sessenta anos antes da nossa atual época tecnológica e informatizada?
"América descobre o vinho"
Dr. Luiz Parellada Ruiz *
A história da chegada do vinho e das vinícolas nas Américas foi o tema apresentado pelo palestrante, que nos brindou (literalmente) com farta explanação sobre o cultivo e a produção de um dos produtos mais consumidos em todo o mundo, acompanhamento obrigatório em todas as celebrações e comemorações.
* Médico formado pela Universidade Saragossa – Espanha em 1956 e revalidado na faculdade de Medicina da Universidade do Recife – PE. É natural de Barcelona, veio aos 25 anos morar no Brasil para fugir de uma possível guerra na Europa. Luis Parellada é um bom gourmet, aprecia a boa culinária e em especial os bons vinhos. Membro da Confraria do Vinho de Londrina (Covil) que se reúne uma vez por mês para apreciar a bebida.
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Ao final da reunião, os participantes brindaram com votos recíprocos de saúde e a esperança de breve término da pandemia que assola o mundo
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