Extratos da reunião de 09/11/2014


ÉTICA E MORAL
Processo histórico de constituição

Leonardo Prota

         Para a correta interpretação dos conceitos de ética e moral parece ser de suma importância a prévia visão do processo histórico de sua constituição.
      Antes de atingir estágio avançado de sistematização, os códigos de conduta de que se tem notícia são precedidos de longa tradição oral. A partir do texto fundamental para a cultura ocidental, que é o Deuteronômio de Moisés, sabe-se que só assumiu a forma que nos foi transmitida no sec. V a. C.; no mesmo ciclo, são conhecidas outras codificações, consagradoras de tradições culturais  diversas.
      De todos modos, a moralidade revestia-se de feições diferenciadas entre Ocidente e Oriente. Embora sejam relevantes as considerações sobre a moral nos países do Oriente, na presente reflexão iremos nos limitar à cultura ocidental, ou seja, o destino histórico que teve no Ocidente a moral judaico-cristã.  
      Esse tipo de moralidade aparece associado à religião. O momento mais destacado é representado pelo Decálogo de Moisés ou Dez Mandamentos da Lei de Deus. Na tradição cristã, o texto fundamental  em que se retoma a pregação de Moisés é o Sermão da Montanha, no Evangelho de são Mateus.
      O segundo momento de constituição da moral ocidental é representado pela meditação grega. Enquanto a tradição judaica, incorporada ao Velho Testamento, a moral é ensinada  como sendo constituída de preceitos sugeridos diretamente pela divindade, o pensamento grego está voltado para a delimitação das esferas da vida humana.
      Nessa busca é que iria esbarrar com o problema; os gregos chamariam de “ética” à elaboração teórica que se dirige à conceituação da moralidade. Na Grécia, a reflexão autônoma acerca do comportamento moral do ser humano tem uma história muito rica. Embora os estudiosos do tema destaquem as contribuições  de Sócrates e Platão; de fato, Aristóteles é o autêntico fundador da disciplina filosófica a que se deu o nome de ética, tendo formulado os principais de seus problemas teóricos.
      Caberia ao Cristianismo aproximar as duas tendências antes caracterizadas, grega e judaica.
      A pregação de Cristo repousa na ideia de pessoa, a que não chegara a civilização greco-romana. Nesta, embora estejam presentes vários ingredientes do conceito de pessoa humana, o característico do ser humano era a condição de cidadão, isto é,  de pertencer à cidade,  o que encaminhava a meditação no sentido  de averiguar distinções entre os seres humanos ao invés daquilo que os aproximava.  Assim, somente com o cristianismo seria dado  o passo essencial no sentido de vincular a moralidade a um ideal de pessoa humana, ou da pessoa ideal, isto é, o ser humano virtuoso.
      Além disso, o cristianismo iria ensejar significativa elaboração teórica acerca da ética. Essa elaboração exigiu que da meditação grega fossem eliminados, sucessivamente, tanto os aspectos hedonísticos (busca do prazer) como os naturalísticos, - isto é, a sua atribuição a uma disposição natural - e, muito especialmente, a autonomia da moral, que passa a subordinar-se integralmente aos princípios religiosos.
      Alguns autores iriam denominar de “ética da salvação” a doutrina moral formulada durante a Idade Média, com o propósito de destacar que, no processo de reelaboração da ética grega de ângulo teológico, deu-se precedência à vida eterna. A conquista da virtude, na terra, seria um requisito essencial à obtenção da paz interior após a morte.
No Renascimento há uma mudança radical que leva ao estabelecimento da moral social de tipo consensual, dissociada da religião.
A completa separação entre moral e religião, no plano teórico, dá-se com a obra de Kant, intitulada “Fundamentação da Metafísica dos costumes”, publicada em 1785. Kant entende que não há uma contestação da validade dos Dez Mandamentos, ou melhor, da tradição moral cristã, mas uma crise de seus fundamentos. O problema, a seu ver, está em saber como se fundamentam os juízos morais.
Para encaminhar a solução, Kant apresenta uma síntese genial dos princípios enunciados nos Dez Mandamentos. Formula-a nestes termos: “Procede de maneira que trate a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de todos os outros, sempre ao mesmo tempo com fim e nunca como puro meio”. A ideia de que o ser humano é um fim em si mesmo e não pode ser usado como meio deixaria marcas profundas no curso ulterior da moral ocidental.
Sintetizando, na análise do processo histórico da moral ocidental evidenciamos os seguintes modelos éticos essenciais:
1. A ética grega, segundo a qual a virtude não é obrigatória, exigindo pré-requisitos relacionados com o saber.
2. A ética da salvação, elaborada durante a Idade Média, assim denominada por ter inter-pretado a ética grega de ângulo teológico, dando precedência à vida eterna.
3. A ética social, elaborada nas nações protestantes, na Época Moderna, com o propósito de fixar critérios para a incorporação de princípio morais à sociedade.
4. A ética do dever, formulada por Kant, que circunscreve  o problema ético ao da fundamentação da moral, preconizando uma solução racional, sem recurso à divindade.
5. A ética de responsabilidade, proposta por Max Weber, que pretende fazer renascer a tradição kantiana, no que respeita à eliminação da dependência à religião, reelaborando-a para abandonar os vínculos que porventura tivesse estabelecido com a suposição de uma sociedade racional.
(Cabe mencionar ainda dois outros modelos que marcam presença na cultura luso-brasileira, ainda que não caberia incluí-los  entre os principais, a saber: a ética eclética, que se propõe conciliar o racionalismo kantiano com a simultânea admissão de inclinações morais nos seres humanos, adotada pelos neoto-mistas; e a ética dos fins absolutos, segundo a qual “os fins justificam os meios”, que, sem abdicar dos pressupostos cientificistas que a fazem renascer na Época Moderna, veio a ser encampada pelos marxistas).
Concluindo, dessa descrição sintética do processo histórico, constitutivo da moral, podemos evidenciar que o elemento sempre presente, que sobressai, é o conceito de pessoa; e, particularmente, no entendimento kantiano,  o ideal de pessoa, ou, da pessoa ideal.
Esse ideal que existe em nós é inatingível, mas desempenha um papel primordial. O próprio Kant tivera a oportunidade de advertir para o seu significado, na Crítica da Razão Pura, ao indicar que  “nós não temos, para julgar nossas ações, outra regra senão a conduta deste homem divino que conduzimos em nós (chama-o de sábio estoico, no sentido de ideal de pessoa humana) e ao qual nos comparamos para nos julgar e também para nos corrigir, mas sem poder jamais alcançar a perfeição”.
Com certeza que, para uma adequada compreensão, haveria necessidade de um maior aprofundamento do significado dos seguintes modelos éticos: ética do dever (Kant)  e ética de responsabilidade (Max Weber); esclarecimentos que somente podem ser objeto de análise numa próxima oportunidade. 


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Momentos de Arte 



Nossa  reunião foi abrilhantada por dois momentos de arte: a pianista Alexandra Banachi tocou magistralmente músicas do compositor polonês Chopin - uma escolha proposital, visto que o tema da palestra abordou a imigração polonesa no Paraná (vide abaixo).
 
E a artista plástica Conceição Garcia Punhagui apresentou duas telas de sua autoria, contando um pouco sobre as técnicas que utiliza,  sua trajetória profissional e os louros que vem colhendo com encomendas e pedidos de restauração, inclusive do Exterior.


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Voto de Desembargador

A Acadêmica Leonilda Yvonneti Spina apresentou o voto bastante peculiar do Desembargador José Luiz Palma Bisson, Relator em Recurso de Agravo de Instrumento – TJ/SP



Trata-se de voto contra despacho de um magistrado da cidade de Marília (SP), que negou os benefícios da Justiça Gratuita a um menor, filho de um marceneiro que morreu depois de ser atropelado por uma motocicleta.


Eis a íntegra do voto:
“Que sorte a sua, menino, depois do azar de perder o pai e ter sido vitimado por um filho de coração duro - ou sem ele -, com o indeferimento da gratuidade que você perseguia.
Um dedo de sorte apenas, é verdade, mas de sorte rara, que a loteria do distribuidor, perversa por natureza, não costuma proporcionar.
Fez caber a mim, com efeito, filho de marceneiro como você, a missão de reavaliar a sua fortuna.
Aquela para mim maior, aliás,  pelo  meu  pai  -  por  Deus  ainda  vivente e trabalhador - legada, olha-me agora.
É uma plaina manual feita por ele em pau-brasil, e que, aparentemente enfeitando o meu gabinete de trabalho, a rigor diuturnamente avisa quem sou, de onde vim e com que cuidado extremo, cuidado de artesão marceneiro, devo tratar as pessoas que me vêm a julgamento disfarçadas de autos processuais, tantos são os que nestes vêem apenas papel repetido.
É uma plaina que faz lembrar, sobretudo, meus caros dias de menino, em que trabalhei com meu pai e tantos outros marceneiros como ele, derretendo cola coqueiro - que nem existe mais - num velho fogão a gravetos que nunca faltavam na oficina de marcenaria em que cresci; fogão cheiroso da queima da madeira e do pão com manteiga, ali tostado no paralelo da faina menina.
Desde esses dias, que você menino desafortunadamente não terá, eu hauri a certeza de que os marceneiros não são ricos não, de dinheiro ao menos.
São os marceneiros nesta Terra até hoje, menino saiba, como aquele José, pai do menino Deus, que até o julgador singular deveria saber quem é.
O seu pai, menino, desses marceneiros era. Foi atropelado na volta a pé do trabalho, o que, nesses dias em que qualquer um é motorizado, já é sinal de pobreza bastante.
E se tornava para descansar em casa posta no Conjunto Habitacional Monte Castelo, no castelo somente em nome habitava, sinal de pobreza exuberante. 
Claro como a luz, igualmente, é o fato de que você, menino, no pedir pensão de apenas um salário mínimo, pede não mais que para comer.

Logo, para quem quer e consegue ver nas aplainadas entrelinhas da sua vida, o que você nela tem de sobra, menino, é a fome não saciada dos pobres.
Por conseguinte um deles é, e não deixa de sê-lo, saiba mais uma vez, nem por estar contando com defensor particular.
O ser filho de marceneiro me ensinou inclusive a não ver nesse detalhe um sinal de riqueza do cliente; antes e ao revés a nele divisar um gesto de pureza do causídico.
Tantas, deveras, foram as causas pobres que patrocinei quando advogava, em troca quase sempre de nada, ou, em certa feita, como me lembro com a boca cheia d'água, de um prato de alvas balas de coco, verba honorária em riqueza jamais superada pelo lúdico e inesquecível prazer que me proporcionou.
Ademais, onde está escrito que pobre que se preza deve procurar somente os advogados dos pobres para defendê-lo? Quiçá no livro grosso dos preconceitos...
Enfim, menino, tudo isso é para dizer que você merece sim a gratuidade, em razão da pobreza que, no seu caso, grita a plenos pulmões para quem quer e consegue ouvir.
Fica este seu agravo de instrumento então provido; mantida fica, agora com ares de definitiva, a antecipação da tutela recursal.
É como marceneiro que voto"

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Palestra: Arquitetura em madeira e imigração polonesa - uma combinação que mudou a história do Paraná
Alan Ripoli Alves *


Esta tese efetuou um resgate do processo iniciado com a imigração polonesa no Estado do Paraná e que culminaria com a permanência da casa de araucária como um dos remanescentes das inter-relações entre o meio ambiente e a arquitetura, no âmbito da manifestação histórico-cultural do agricultor familiar. Questionaram-se, nesse sentido, as possíveis mudanças ocorridas a partir das construções originadas desse período e a organização adquirida pela propriedade rural em decorrência da expansão do espaço urbano, bem como de outras interferências dele oriundas. O corpus do trabalho foi estruturado dentro de um recorte cronológico que se iniciaria em 1871 e alcançaria os dias atuais, com ocorrências levantadas em 12 locais, cujas origens estariam vinculadas a colônias com imigrantes poloneses, localizadas em quatro municípios da Região Metropolitana de Curitiba (RMC). Para tal investigação, fez-se uso de método analítico-histórico, de caráter exploratório e natureza qualitativa, adotando, como instrumentos de pesquisa, a entrevista, a fotografia, o desenho e a representação esquemática. Assentada nos princípios da interdisciplinaridade, a revisão teórica adotada sustentou o pressuposto de que a arquitetura popular, em seus conceitos básicos, presumia a interação entre o ambiente artificialmente criado e o meio a ele externo, como se o primeiro fosse uma extensão do segundo, e vice-versa. Partiu-se, portanto, da ideia de que, para se compreender uma construção, seria necessário interpretar a sua funcionalidade dentro de um contexto, considerando desde os elementos atuais presentes na mesma até aqueles que fossem antecessores a ela. Entre os locais analisados, esse processo se tornaria claro por uma relação de identidade entre o descendente de imigrantes poloneses e os elementos que compusessem o seu universo de vivência, fazendo emergir, por um lado, a manifestação de eventos como nostalgia, tradicionalismo e religiosidade e, por outro, um cenário de descaracterização nas colônias estudadas, em grande parte devido à influência exercida pelos centros urbanos, com o crescimento da atividade industrial, da especulação imobiliária e da facilidade de acesso. Considerando tanto os aspectos materiais quanto imateriais da construção em madeira na formação da paisagem, o papel por ela desempenhado no estabelecimento de moradias, na participação identitária do agricultor e no exercício de atividades laborais, os resultados obtidos convergiram para o fato de que, em três das 12 colônias inicialmente consideradas na pesquisa, foram encontradas propriedades rurais que representavam uma dinâmica morfofuncional a partir dos seus componentes, caracterizando-se pela geração de inter-relações entre a casa de araucária e outras construções em madeira, no espaço tipicamente destinado à agricultura de base familiar. Tal constatação permitiria afirmar que a participação identitária do imigrante polonês havia transpassado várias décadas em meio a profundas transformações na ambiência rural, mostrando-se resistente por intermédio da própria agricultura, que teria sido por séculos a base produtiva da sociedade polonesa. O exame desse percurso, por sua vez, forneceria valiosos subsídios para a compreensão das mudanças históricas, culturais, políticas e socioeconômicas que contribuíram para consolidar o Paraná do presente.


* Licenciado em Ciências Biológicas (UFC). Especialista em Gestão Ambiental Urbana (CENTEC/ IFCE). Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente (UFC). Doutorando em Meio Ambiente e Desenvolvimento (UFPR). Desenvolve pesquisa nas áreas de Planejamento Ambiental, Arquitetura em Madeira e Espaços Livres.


O palestrante recomenda este filme raro (produzido em 1953) sobre a imigração polonesa no Paraná:


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Encontro Estadual de Academias de Letras do Paraná



A Academia de Letras, Ciências e Artes de Londrina participará do Encontro das Academias de Letras, que se realizará na cidade de Paranavaí, dias 22 e 23/11. Em pauta, a criação da Associação das Academias de Letras, Ciências e Artes do Paraná, a eleição da Diretoria, palestras do escritor e historiador Laurentino Gomes, do jornalista e professor Saul Bogoni, entre outras atividades.

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